quinta-feira, 18 de julho de 2024

NÃO HÁ LUGAR COMO O LAR - Capítulo I a V

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Olá, como vai? Sejam bem-vindos a mais uma história! Cada post dessa história vão ter varios capítulos para evitar eu ter que colocar um por um, já que eles são curtos. Espero que você gostem!




Capítulo I

— Olha quem voltou! O garoto italiano. — Nico apenas teve tempo de se virar antes de ser prensado contra ombros largos e braços fortes que o abraçaram com tanta força que o levantou no ar, o deixando sem fôlego e fazendo com que seus livros e bolsa caíssem ao chão, a porta de seu armário sendo fechada com um estrondo barulhento.

— Perseu Jackson!

— Só a minha mãe me chama assim.

Mas Percy estava rindo, o girando no ar enquanto as pessoas ao redor olhavam para eles. Também, não era para menos. Eles estavam bem no meio do corredor onde havia vários armários, dando para a entrada das classes de aula. Nico não resistiu, envolveu os braços ao redor do pescoço de Percy e o abraçou tão forte quanto Percy tinha feito, enterrando o rosto contra o pescoço de Percy.

— Eu senti sua falta.

— Eu também senti a sua. — Nico murmurou de volta e se afastou, finalmente conseguindo ver o rosto de Percy.

Olhos tão verdes quanto ele se lembrava, nariz reto e empinado, lábios finos e largos sempre em um sorriso bonito. O que tinha mudado era a altura, quase dois metros, e músculos. Onde ele se lembrava de um garoto tímido e um pouco triste, agora Nico via um homem que tinha se transformado nesse… nessa pessoa decidida e cheia de vida. Confiante. Forte. Charmoso. Embora Nico ainda pudesse ver a bondade e amizade que eles costumavam ter, essa coisa entre eles... ter que lidar com esses sentimentos tão abertamente ainda era algo novo. Nico não podia evitar a comparação com o passado, onde ele era jovem demais e Percy era… Percy era Percy, abrindo a porta de sua casa para um garotinho tão triste e solitário quanto ele próprio.

— Dois anos, hein? Eu pensei que você nunca ia voltar.

— Eu também pensei.

— Me deixe te ver melhor. — Não era como se Percy nunca tivesse o visto de perto ou todos os dias durante esses dois anos por vídeo chamadas. Tinha esquecido como Percy podia ser intenso, cheio de toques e sorrisos.

Percy levou uma de suas mãos a seu rosto e penteou seus cabelos para trás, expondo sua face por completo. E ele? Bem, Nico apenas encarou Percy de volta, tão focado no garoto quanto Percy se focava nele. A verdade é que todas as ligações e vídeo-chamadas não se comparavam ao que a realidade lhe mostrava, o fazendo se questionar o que tinha acontecido para que ele tivesse fugido de Percy, desses gestos tão… tão afetuosos e tão atenciosos. Como ele teve coragem de fazer isso com eles? De deixar a pessoa que mais amava para trás? E só por causa de medo? Ele era a pessoa mais covarde desse mundo todo.

— Hm… Percy...? Me põe no chão, sim? — Nico fez o seu melhor para ficar sério.

— Por quê?

— Você não tem vergonha?

— Eu tenho?

Então, Percy sorriu ainda mais e enfim o colocou no chão para em seguida afrouxar o agarre em seu rosto e em sua cintura, sem se afastar, porém. Percy se inclinou sobre ele, como se tivesse algo em seu rosto que Percy precisava ver mais de perto.

— Tudo certo? Por que você não me disse que chegava essa semana?

— Por quê? Você ia me buscar no aeroporto?

— É claro, meus amigos merecem o melhor.

— E o que seria esse melhor?

— Eu, é claro.

Nico jurava que estava tentando ficar sério. Pelo jeito que as coisas iam, Percy queria algo a mais e no momento ele não estava pronto. Mas não adiantou, Nico se segurou nos ombros de Percy e sorriu; ele achava que essa era uma das piores cantadas que ele já tinha ouvido.

— Ei, não ri da minha cara. Eu sou um cara legal.

— E muito humilde, também.

— Muito. — Percy disse e enfim o soltou, se encostando a seu lado em frente aos armários.

Nico suspirou em alívio. Ele se abaixou para pegar suas coisas do chão e as guardou dentro do armário, lhe dando tempo para respirar. Às vezes, Percy era um pouco demais para ele; era o que Nico tinha descoberto durante os anos, nas milhares de conversas que tiveram nesse tempo afastados e os boatos que seus amigos insistiam em compartilhar com ele mesmo estando do outro lado do planeta, o fazendo perceber que Percy tinha se segurado nos anos que passaram juntos. O fato era que Nico não sabia exatamente quando Percy tinha mudado do garoto introvertido para essa pessoa esfuziante, ou se Percy tinha começado a agir como si mesmo por causa de sua ausência, mas ele gostava. E odiava ao mesmo tempo, fazendo seu estômago se revirar de nervosismo e expectativa.

— Agora, de verdade, como as coisas têm estado?

— Você sabe, iguais. — Nico deu de ombros e fechou o armário, tirando os livros que usaria naquele dia, os guardando na bolsa. — Bianca veio comigo.

— Faculdade? — Percy perguntou. — E você?

Nico deu de ombros mais uma vez e se encostou ao lado de Percy em frente aos armários, voltando a encará-lo de perto, o olhando sobre os cílios, tentando não demonstrar como realmente se sentia. Achava que nunca se conformaria com a beleza do amigo, agora duplicada conforme os traços suaves da adolescência davam lugar a músculos definidos e um rosto angular e forte, o sorriso de canto, o olhar intenso, a atitude confiante… e… bem, tudo isso e muito mais.

— O que tem isso?

— O que te traz de volta?

— Eu... senti falta de casa. — Nico acenou para si mesmo, tentando se convencer disso. — Por um tempo pensei que fosse em Verona, mas… eu sempre ficava me perguntando o que estava acontecendo por aqui.

— Então, você decidiu voltar? Simples assim?

— Por que não? Eu vou fazer dezoito em alguns meses. Queria aproveitar esse último ano e rever o pessoal.

Bem… ele queria rever algumas poucas pessoas e uma delas estava bem em sua frente, olhando para ele como se quisesse… como se quiser ver o que tinha dentro de sua mente. E como costumava acontecer, Nico foi o primeiro a perder nesse joguinho para ver quem desviava o olhar primeiro.

— Então… você sentiu saudade e veio para ficar ou…

— Vim para ficar.

— Fico feliz. — Percy disse, ainda sorrindo, algo mais sincero e bonito, como se tivesse cansado de flertar. — Quem sabe a gente pode se ver mais tarde. Comer alguma coisa?

— Mais tarde, quando?

— Hoje. Depois da prática de basquete. Quer me ver jogar?

— Oh, não! Era isso o que eu mais temia! O clichê colegial! — Ele riu e Percy riu junto, o fazendo lembrar dos velhos tempos.

— Sabe, você não pode falar de mim. Você era todo bonitinho e tímido e agora voltou parecendo sair de um filme dos anos oitenta. Jaqueta de couro, calça rasgada e isso… é maquiatem? — Percy se aproximou mais uma vez dele e segurou suavemente em seu queixo, apenas mais uma desculpa para tocá-lo, disso Nico tinha certeza; não que estivesse reclamando. Percy podia fazer isso e muito mais. — Você é o perfeito garoto bonzinho que ficou rebelde.

— Eu ainda sou um bom garoto.

Isso fez Percy parar por um momento, ainda com as mãos sobre o rosto de Nico, e o encarar longamente apenas para um sorriso de canto aparecer junto a covinhas mais bonitas ainda.

— É mesmo? O quanto você é um bom garoto?

— Acho que você nunca vai descobrir.

Mais um silêncio e mais um olhar que no passado o faria correr em busca de abrigo mais rápido que um foguete. Entretanto, esse Nico tinha ficado para trás junto com sua inocência.

— Hm. — Foi tudo o que Percy disse durante alguns momentos, e Nico jurava que ele estava se aproximando em direção a seu rosto quando o sinal tocou, os interrompendo.

— Certo. — Nico pigarreou, endireitando a coluna e olhando ao redor. — Acho que eu tenho que ir.

— Qual seu primeiro horário?

— Língua portuguesa. Preciso passar na secretaria primeiro.

— Eu vou com você.

Nico nem tentou negar, ele tinha sentido tanta falta de Percy que estender um pouco mais as coisas não faria mal. Ele se desencostou do armário e, de novo, aconteceu algo que Nico não esperava. Percy pegou a mochila de seu ombro, a carregando para ele e com a outra mão, entrelaçou os dedos com os seus, o puxando suavemente pelo corredor quase vazio em direção à administração do colégio.

***

Nico passou os olhos pelo longo corredor e imediatamente a nostalgia o acertou em cheio no meio do peito.

Era estranho estar ali depois de tanto tempo. As paredes cor creme ainda eram as mesmas, ali estavam os mesmos bancos azuis e as mesmas mesas pretas, os mesmos corredores largos e a mesma cantina, pintada da mesma cor pastel suave. Nico até conseguia reconhecer alguns rostos familiares no meio de outros mais jovens. Era um dejavú, só que agora ele via as coisas do alto, numa perspectiva distante, quase deslocada, onde antes seus dias eram permeados por ansiedade e incerteza, agora tudo parecia mais fácil e incolor, ainda que um pouco doloroso, mas sem importância e talvez até confortável. Talvez fosse pelo fato de Percy ainda estar segurando em sua mão, conversando com a mesma secretária de dois anos atrás, uma senhora de cinquenta anos, sempre sorridente e solícita.

No fim, não demorou muito para ele conseguir seus papéis de admissão que precisaria mostrar para seus professores.

— E então, língua portuguesa? Aula dupla? Eu também tenho. Me deixa ver seu horário.

Nico deu de ombros e tirou de dentro da bolsa sua grade horária de aulas. Ele observou Percy pegar o papel de suas mãos, franzir a testa em concentração e entregar a folha de papel de volta para ele: — Temos a maioria das aulas juntos. Você está nos clubes de artes e de música? Eu estou no de música também, prática de violão.

— Parece ser os mais fáceis.

— Eu aposto.

— Cala a boca. — Nico empurrou Percy pelos ombros e andou para fora da secretaria. Poucas pessoas sabiam que ele tinha facilidade para coisas criativas e talvez ele tenha tocado algo para Percy durante os anos. Bem, isso não era da conta de ninguém além dele e de Percy.

— Nico, as salas mudaram! Estamos usando os auditórios.

— Tá bom. — Nico revirou os olhos e dessa vez nem se surpreendeu quando Percy o alcançou e tocou em seu ombro, suas mãos grandes deslizando por suas costas até chegar em sua cintura, o guiando suavemente na direção correta. Na verdade, ele não se lembrava dessa escola ter um auditório, então, se deixou ser guiado por Percy, uma presença confortável e calorosa a seu lado.

***

Infelizmente, em poucos minutos de caminhada, Percy e Nico chegaram ao auditório, interrompendo o momento de quietude e fazendo Nico reconhecer a mudança imediatamente. Aquele era um grande espaço perto da quadra principal de esportes que costumava ser parte da floresta e dos cultivos de plantas e vegetais, mas que agora abrigava um prédio alto com alguns andares e que se estendia por longos metros, quase se fundindo a vegetação da floresta. Entretanto, esse não era o momento de apreciar a beleza do prédio ou da natureza ao redor. Percy empurrou a porta principal e eles entraram pelo saguão da recepção, logo passando por uma atendente e andando por duas salas a frente para entrar na terceira, abrindo a porta e encontrando a sala de aula que eles procuravam.

Quando eles enfim entraram no auditório a aula já tinha começado. A professora Johnson não era do tipo que se importava com atrasos se a aula não fosse atrapalhada, por isso Percy ficou parado na entrada principal da sala, longe do olhar da professora, preferindo ver Nico descer até o palanque onde a professora estava, o vendo entregar o papel para ela assinar. O que Percy podia dizer? Nico era uma visão bem mais interessante naquele momento, longas pernas encobertas por um jeans justo, bunda empinada, cintura fina, ombros largos, profundos olhos negros e uma boquinha que parecia estar sempre mordida e avermelhada, pele negra e bronzeada, parecendo ser tão macia que ele não resistiu a vontade de tocar nele assim que pôde, só para testar a teoria, principalmente depois de tanto tempo longe um do outro.

Ele admitia, estava indo rápido demais, mas tinham sido dois anos inteiros! Era tempo suficiente para saber se você gosta de alguém, não era? Sem contar os sete anos antes disso. Talvez ele devesse ter ido para a Itália com Nico quando Hades ofereceu, sempre generoso mesmo que ausente na maioria das vezes.

Percy foi tirado de seus devaneios quando Nico terminou de falar com a professora e veio em sua direção, despreocupado e lento, como se tivesse todo o tempo do mundo, desfilando com suas roupas punk e atitude despretensiosa. Por que evitar algo que ele sabia que aconteceria cedo ou tarde? Se Percy pudesse, beijaria Nico ali e agora, para acabar com aquela tortura que se estendia por tantos anos. Não foi o que ele fez, é claro. Os anos de descontrole tinham ficado no passado.

Se Percy tinha esperado por mais de dois anos, podia esperar mais alguns dias.

— Tudo certo?

Nico apenas acenou e pegou em sua mão, o levando em direção ao meio do auditório, onde eles podiam ter uma boa visão da professora e do que ela estava falando. Percy nem teve tempo de apreciar Nico tomando a iniciativa e tocando nele por vontade própria, embora sentisse que deveria se preocupar mais com a reação das pessoas ao redor deles, os olhares nada discretos e murmúrios feito zumbidos a seu ouvido. O fato era, ele não costumava exatamente namorar garotos em público e tão pouco garotas, principalmente porque Annabeth sempre estava por perto para fazer com que todos pensassem que ele estava com ela. Era o que era, Percy só esperava não ter que socar alguns rostos. Porque ele faria, e com muito prazer.

— Per? — Ele escutou alguém o chamar e só tinha uma pessoa que ainda o chamava assim. — Em que capítulo a gente está?

— Sete.

— Obrigado. — Nico murmurou mais baixo do que antes e se pôs a ler, completamente concentrado no livro e no que a professora dizia.

Restou a Percy se perguntar como alguém podia ser tão bonitinho? Tão adorável? Observando um pequeno vinco aparecer entre as sobrancelhas de Nico, vendo seus lábios se formarem um biquinho frustrado até que Nico pareceu encontrar o que procurava no livro, relaxando contra o acento e se colocando a fazer anotações rápidas conforme a professora discutia o assunto.

Então, um barulho veio da fileira de cadeiras acima da sua, alguém o tocando no ombro. Ele se virou e lá estava Grover, seu mais antigo amigo de infância.

— É quem eu penso que é?

— Nico. — Percy confirmou, tentando ser discreto.

— Aquele garoto quieto e triste que Sally tinha praticamente adotado? O seu garoto italiano? Eu nem reconheci ele. Agora eu entendo a obsessão nos últimos anos. Não que não seja igual a antes, mas…

— Cara! — Percy sussurrou furiosamente.

Ele não era tão obcecado assim… era? Percy olhou para o lado, só para ter certeza que Nico não tinha escutado, vendo que o garoto continuava concentrado na aula e voltou a encarar Grover: — Depois a gente conversa.

— Como você quiser, Don Juan.

— Tanto faz.

Percy se virou para a frente, se inclinou sobre Nico, vendo onde eles estavam no livro e ignorou todo o resto. Quando Nico empurrou o livro em direção a ele para que os dois pudessem ler, Percy não hesitou. Colocou o braço ao redor do ombro de Nico, juntou suas cabeças e começou a ler. Quem sabe se ele pudesse se concentrar, a vozinha no fundo de sua mente pararia de lembrá-lo de que isso daria em mais confusão do que ele estava disposto a lidar.

Capítulo II

— O que você achou das primeiras aulas? — Percy teve que perguntar, apenas para ver a expressão de irritação se formar no rosto de Nico, algo bonitinho entre uma careta e um franzir de lábios.

Percy sabia qual seria a resposta, pois Nico simplesmente não aceitava não saber de alguma coisa. O que realmente chamava sua atenção era saber o quanto Nico tinha se tornado bem mais expressivo nos últimos anos, como se o garoto tivesse se dado o direito de sentir e se expressar como bem quisesse, sem qualquer tipo de medo ou hesitação. Nada podia se comparar em ver tudo pessoalmente, e sendo assim, ninguém poderia culpá-lo de se perder na beleza de Nico, de querer sentir na ponta dos dedos para ter certeza de que tudo aquilo era real.

 — Foi normal. Eu acho. Estou um pouco atrasado, mas nada que algumas leituras não resolvam. — Nico deu de ombros e continuou andando a seu lado, passando as mãos pelos próprios cabelos e os jogando para trás, evitando que eles caíssem em seus olhos; longos cabelos que pareciam brilhar no sol, longos e negros, porém, não como ele faria no passado; era um gesto mais expansivo e relaxado, um fato que Percy não sabia dizer como conseguia diferenciar. No fim, Grover devia estar certo. Ele estava obcecado. Sempre esteve.

— Com fome?

— Não muita.

Percy segurou nas mãos de Nico e mesmo assim, ambos sem apetite, andaram pelo refeitório lado a lado, caminhando de mãos dadas entre as mesas e bancos até chegar ao balcão da cantina. Percy não poderia deixar de notar, sentia como se estivessem desfilando, se fosse pelo jeito que as pessoas olhavam para eles; se eram olhares de admiração, inveja ou desgosto era difícil diferenciá-los, estava ocupado demais encarando o perfil do rosto de Nico, principalmente vendo Nico levar os dedos a boca e os morder levemente, parecendo indeciso.

Naquele momento, Percy decidiu. Ele queria desfilar com Nico pendurado em seus braços. Queria que todos vissem, que todos soubessem a quem Nico pertencia. Nunca mais deixaria que nada ficasse no caminho deles.

— O que você vai pedir? — Nico perguntou a ele, enfim o encarando, parecendo alheio a todo o resto.

— Um suco está bom. Que tal dividir uma torta? — Percy ainda se lembrava de cada pequeno de detalhe sobre Nico, que ele gostava de dormir até tarde, que sempre estava indeciso sobre algo e sabia que a torta de legumes com queijo era a preferida de Nico.

E só para provar seu ponto, Nico sorriu e acenou, pedindo um milkshake para si próprio.

Era tudo tão familiar que Percy sentiu um aperto no coração. Por que aquilo doía tanto? Percy não devia estar feliz por ter seu melhor amigo de volta? Bem, Nico parecia estar muito feliz com seu milkshake e metade da torta de legumes, agora que eles tinham achado um lugar desocupado para se sentar. Era como um truque de mágica ver um leve rubor de felicidade se espalhar pelo rosto moreno, se intensificando à medida que Percy continuava observando Nico mastigar pequenos pedaços de forma suave e delicada.

— Você não vai comer? Está tão gostoso quanto eu me lembrava.

— Nico. — Percy reclamou, frustrado.

— O que foi?

— Será que você pode comer com menos prazer?

Certas coisas nunca mudavam. Nico olhou para ele com a boca em volta do canudo e sorriu, sugando o sorvete com vontade. Percy apenas balançou a cabeça e desviou o olhar, dando a primeira garfada na torta. Nico tinha razão, a torta ainda tinha o mesmo gosto, a massa suave e macia, o queijo que derretia na boca e o gratinado crocante por cima. Desde que Nico tinha ido embora ele não tinha tido coragem de comer essa torta, ela lhe trazia lembranças que Percy preferia deixar para trás.

— Per-cy. — Nico o chamou, praticamente cantarolando, sorrindo, apoiando a cabeça nas mãos e piscando devagar para ele, seus olhos negros e brilhantes o distraindo por um momento.

— Hm?

— Você não devia comer com seus amigos?

— Por quê?

— Eles estão olhando para a nossa mesa.

Talvez fosse verdade.

Percy desviou o olhar em direção a eles e rapidamente voltou a se concentrar em Nico. Eles não eram importantes, mesmo que sentisse os problemas se aproximando pelo simples motivo de Annabeth estar entre eles. Annabeth, Thalia, Luke, Grover, Chris e Clarice. Todos velhos amigos dele e de Nico; se é que ele podia considerar algumas daquelas pessoas suas amigas. E tudo bem, talvez não fosse certo manter Nico só para ele quando ele não era o único que tinha sentido saudade.

— Você quer falar com eles?

— Nah. Depois. O que eu quero saber é, com quem você está saindo?

— O quê? Eu não--

— Annabeth ou Luke?

— Eu nunca! — Quando Nico fez uma careta nada impressionada, Percy confessou: — Tá bom! A gente teve um rolo, mas é coisa do passado. Estou livre feito um pássaro.

— Você tem certeza?

— Eu prometo.

— Por que não acredito em você? — Então, Nico se encostou no apoio do banco e cruzou os braços. — Eu não vou ganhar uma surpresinha dos seus ex-namorados, vou?

— Por que isso aconteceria?

— Pelo jeito que as coisas andam…

Percy não conseguiu fingir por mais tempo, sorriu para Nico e se inclinou em direção ao garoto, segurando em suas mãos, as levando em direção aos próprios lábios, as beijando longamente: — Eu prometo que nada vai acontecer. Eu não sou esse tipo de homem.

— Hm, sei bem. Será que eu devo saber de mais alguma coisa?

— Eu só tenho olhos para você, querido.

— Você tem que parar com isso. — Mas, mesmo enquanto Nico falava isso, um rubor subiu pelo rosto de Nico, voltando com força total, aquecendo o peito e o coração de Percy. Talvez fosse porque Percy ainda segurava nas mãos de Nico ou talvez fosse porque eles estavam sentados lado a lado no meio de toda aquela gente, ambos olhando um para o outro como se o resto do mundo não existisse, em um momento que eles raramente compartilhariam com uma multidão desse tamanho, um momento que deveria ser íntimo e particular.

— O que eu estou fazendo? Mostrando o quanto você é importante para mim?

— Percy.

— Eu devia ter feito isso anos atrás.

Percy segurou mais forte nas mãos de Nico e as levou mais uma vez aos próprios lábios. E dessa vez, Percy expressou muito mais do que palavras poderiam dizer. Satisfeito, Percy viu Nico segurar o folego e sentiu suas mãos tremerem, fazendo Nico parar de respirar por um momento, prestes a entrar em combustão. Entretanto, quando os minutos passaram e ninguém veio atrás deles querendo torturá-los, Nico relaxou e deixou que Percy o puxasse mais para perto e o abraçasse forte, provocando aquela sensação gostosa no meio do peito.

Pelos próximos minutos o mundo ao redor deles congelou, nenhum dos dois voltou a falar e ninguém se aproximou deles. Nico continuou a comer e Percy continuou a segurar na mão que Nico não usava. Isso é, eles teriam continuado assim, porém, o tempo não esperava por ninguém, o bater do sinal quebrando a calmaria que tinha se instalado, os forçando a se separarem; Nico iria para a aula de história e Percy para a de matemática avançada. Antes disso acontecer, Percy como o perfeito cavaleiro que era, levou Nico até a sala de aula correta.

Percy admitia que por um breve momento pensou em agir como o clichê que Nico o tinha acusado de ser; considerou beijá-lo bem ali, onde qualquer um podia ver. No fim, não querendo constranger Nico, Percy se decidiu por abraçá-lo longamente e bem apertado antes de deixar Nico entrar na sala de aula. A boa notícia é que eles teriam a última aula juntos, física avançada.

***

Percy mal colocou o pé dentro da sala quando uma enxurrada de vozes o cercou. Parecia que todo mundo tinha algo a dizer sobre o garoto italiano recém-transferido, pois, aparentemente, ele era o único que sabia da volta de Nico.

— Eu te disse! — Um deles falou.

— Quem diria. — Outro comentou com bem menos entusiasmo.

E Percy? Bem, ele não ligava para o que eles tinham a dizer. Andou calmamente até sua mesa, tirou seus livros da bolsa e olhou para frente, feito o aluno modelo que ele nunca tinha sido. O que Percy podia dizer? Sonhar acordado com Nico era bem mais agradável do que alimentar mais fofocas. Ou entreter pessoas entediadas.

— Cara! Você não pode fazer isso comigo. — Era Grover, mais uma vez, que agora se sentava a seu lado e colocava a mão em seu ombro, o apertando e parecendo orgulhoso por algum motivo. Não era as palavras de Grover que o irritava, era seu tom de voz; era a pura zombaria. — Você tem que me contar tudo.

— E eu pensando que as líderes de torcida eram fofoqueiras. — Percy devolveu.

— Percy!

— Tá bom.

— Tá bom? Você não está se esquecendo de nada?

— Como o quê?

— Desde quando você e Nico são tão próximos?

— A gente sempre foi. Desde os nove anos de idade.

— Mas… como? Ele não estava na Itália?

— E daí?

— Cara. — Dessa vez quem falou foi Luke que estava por perto, apenas escutando. — Eu me sinto usado.

Isso era uma piada! O garoto mais galinha e com o maior recorde de traições que ele já tinha conhecido, se sentindo usado! E só porque eles tiveram algo rápido durante a ausência de Nico? Algo completamente sem importância?

— Eu pensei que a gente tinha algo especial. — Mas quando Percy se virou para Luke, o amigo tinha um brilho estranho no olhar e um sorriso de quem estava prestes a aprontar algo. — Sabe quem não vai gostar de saber disso?

— Annabeth. — Grover completou por ele, agora bem mais baixo para que somente ele e Luke pudessem escutar.

— O que eu tenho a ver com isso? Ela não é minha namorada.

— Você tem certeza disso? Annabeth não parece pensar o mesmo.

— Isso é problema dela e não meu.

— Cara, isso vai dar problema. Depois não diz que eu não avisei. — Luke disse e tocou em seu braço, fingindo ser compreensivo.

— Que tal você cuidar da própria vida?

— Se eu fosse você tomava cuidado. Eu lembro como o pequeno Nico costumava ser indefeso. E ninguém quer que isso aconteça de novo.

Percy olhou bem para Luke, tentando decidir se isso era uma ameaça ou se era um lembrete do que Annabeth era capaz de fazer para conseguir o que queria. No fim, ele decidiu ser apenas um aviso, já que no passado Luke tinha sido um dos poucos a defender Nico quando ele não pôde. Percy só esperava que o passado não voltasse a se repetir.

Capítulo III

Nico sentia que deveria ter feito a coisa mais racional e ter ido embora depois do clube de música, como qualquer pessoa normal faria. Mas ali ele estava, andando pelos corredores agora vazios com seu violão e mochila nas mãos, indo em direção à quadra descoberta que ficava mais ao fundo da propriedade da escola. Ele não era o perfeito clichê? O garoto novo indo encontrar o garoto bonito e popular depois da aula só porque esse mesmo garoto bonito tinha pedido? Agora era tarde demais, Nico já tinha atravessado o colégio inteiro e se sentava nas arquibancadas, colocando o violão no colo enquanto dedilhava algumas notas soltas. Ele era um idiota, tinha evitado por tanto tempo esse tipo de gesto só para cair na própria armadilha sem nem perceber.

O que Nico poderia fazer além de deixar as coisas rolarem e ver onde elas dariam? Ele deu de ombros, tirou uma caneta e caderno dentro da bolsa, anotando as possíveis melodias e escalas musicais que poderia se encaixar juntas. Não demorou muito, logo ele ouviu o barulho de uma bola batendo no chão e passos correndo para perto de onde ele estava sentado. Nico levantou a cabeça e lá estava Percy, batendo a bola no chão e olhando para ele, seu sorriso quase se estendendo a suas orelhas, como se a coisa mais maravilhosa estivesse acontecendo apenas porque Nico estava ali.

Era por isso que Nico não conseguia dizer não para Percy. Como ele poderia quando alguém sorria assim para ele?

— Nico. — Percy disse, como se saboreasse o nome nos lábios, feito o doce mais saboroso. — Mais dez minutos? Vai ser rápido.

Nico deu de ombros e tentou não encarar os olhos de Percy, sabendo que seu rosto devia estar mais quente que uma pimenta. Preferiu apreciar os ombros e braços de Percy, definidos e descobertos pelo uniforme de basquete, um camisa de tecido fino e claro.

— Tudo bem, não estou com pressa.

— Eu posso ver.

Nico sentiu vontade de gemer de ansiedade, se viu forçado a encarar Percy. Tinha algo na voz dele que fazia Nico querer prestar uma atenção mais cuidadosa.

— Hm?

— Você está escrevendo uma música?

— Acho que sim. — Sem perceber, ele até tinha escrito algumas palavras para acompanhar a melodia.

— É sobre mim?

— Poderia ser. — “Tudo o que eu faço é sobre você”.

Felizmente, Nico segurou sua língua, se contentando com algo menos humilhante. De qualquer forma, tinha sido muito sincero de sua parte. Isso só podia ser costume, era tão normal para Nico dizer o que viesse à mente sem precisar se policiar perto de Percy que essas verdades saiam sem permissão.

— Lindo.

Agora, Nico tinha ficado confuso. O que era lindo? A música ou… outra coisa?

Percy sorriu mais uma vez e a dúvida logo se desfez. Nico se perguntava desde quando os sorrisos de Percy expressavam tantas coisas e como cada uma delas era tão claro para ele, como uma linguagem perfeita, completa e sem erros.

— Então… depois?

— Eu conheço um lugarzinho que você vai amar.

— Você me conhece tão bem assim? — Mais um sorriso e um inclinar de cabeça, como se Percy dissesse “É óbvio, bobinho”.

Nico revirou os olhos e voltou sua atenção para seu violão. Assim era mais seguro.

— Você não tem que praticar?

— Nada é mais importante que você.

Nico gostaria de dizer que eram palavras amigáveis e que Percy estava brincando, mas ele tinha falado com tanta firmeza e confiança que Nico acreditou. Sabe, Percy era um ótimo comunicador quando ele queria ser. Ás vezes, os sorrisos sumiam, como se Percy quisesse que não houvessem mal entendidos e em outros momentos, esses mesmos sorrisos tornavam tudo mais dificil para, porém, deixavam tudo mais claro. Era nesses momentos que Nico preferia fingir que não tinha escutado, que não tinha entendido ou que nada tinha acontecido. Era mais fácil quando Percy sorria para ele através de uma tela de celular, por ligações onde milhares de quilômetros os separava, mas ali, há menos de cinco metros? Fazia seu coração acelerar e suas mãos suarem.

— Vai logo. — Nico murmurou de volta, tentando ignorar as palavras de Percy. — Está ficando tarde.

— Espere por mim.

Então, Nico esperou. Ouviu os passos de Percy se afastarem pela quadra e ouviu os outros garotos gritando palavras que seu cérebro inundado por endorfinas não conseguia decifrar no momento.

O que mais lhe restava? Além de esperar e se comportar, aguardando pelo momento em que Percy teria algum tempo para dedicar a ele? Nico continuou dedilhando as cordas de seu violão e não voltou a levantar a cabeça por longos minutos. Isso é, até que alguém sentou a seu lado, permanecendo em silêncio até que ele se deu por vencido e a encarou. Era Annabeth, é claro, com seus intensos olhos azuis acinzentados e longos cabelos dourados, esbelta e alta, o olhando de cima, exatamente como Nico se lembrava dela fazer no passado, o fazendo sentir como se ele fosse um inseto que Annabeth não mataria por pena.

— Nico, é um prazer te ver de novo. Como vai Bianca?

— Bem. — Foi tudo o que Nico disse. Talvez ela ainda o intimidasse, talvez ela ainda tivesse o poder de fazê-lo chorar feito um bebê sem amparo, mas Nico se negava a se rebaixar no nivel dela.

— O que te traz aqui?

E de novo, era como se nada tivesse mudado. Nico ainda era o mesmo garoto solitário e excluído, o garoto indefeso que qualquer um podia abusar, abandonado e sem saber o que fazer. Nico estava tão cansado disso. Ele não daria esse poder para Annabeth ou para esse tipo de pessoa que quando não tinha algo, tomava a força.

— Não é da sua conta. Isso é dor de cotovelo? Doeu muito quando ele te chutou?

Annabeth meramente sorriu, o estudando, fingindo que estava por cima quando ambos sabiam que isso passava longe da verdade.

— Ah, parece que algumas coisas mudaram, então.

— Parece.

— Você sabe que não vai ganhar, não sabe?

— Isso não é um jogo.

— Olha, eu não fui muito legal com você. Por isso, vou te dar uma chance. Se você se afastar, prometo que não vou ficar no seu caminho. As coisas são assim…

Que bondoso da parte dela, não? Será que Annabeth sabia do que aconteceu todos esses anos em que ele esteve no exterior? Como Percy tinha sido o primeiro a retomar contato menos de uma semana depois dele ir para a Itália? E que no fim, não tinha nada a ser ganhado ou perdido? Foi por esse exato motivo que Nico preferiu ficar calado, observando Annabeth jogar o cabelo platinado para trás enquanto continuava a falar.

— .. você vai se dar muito bem por aqui se seguir esses conselhos.

— Anne? — Alguém atrás deles a chamou. Era Silena e Grover, eles estavam vestidos ambos com roupas de líderes de torcida. Grover com uma calça de lycra e Silena com uma saia, mini-blusa e pompons na mão. — Drew está te chamando.

— Ela sempre está. — Foi a vez de Annabeth revirar os olhos e se levantar. — Acho que é isso. Faça um favor para nós dois. Vai ser melhor assim.

Desse jeito, arrumando a saia e subindo os degraus da arquibancada, Nico, Grover e Silena observaram Annabeth desfilar para longe, levando junto com ela a tensão que Nico nem tinha percebido que tinha se instalado entre eles.

Bem, agora Nico se lembrava de um dos principais motivos dele ter ido para bem longe dali.

— A gente sente muito. — Grover foi o primeiro a quebrar o silêncio, se sentando a seu lado.

— Ela não faz de propósito. — Silena se sentou do outro. — Não é pessoal.

— Nunca é com ela. — Nico murmurou de volta, de repente se sentindo exausto.

Nico nem sabia porque tentava. Agora, olhando as coisas bem de perto… talvez devesse ter continuado na Itália. A situação por lá era caótica, mas pelo menos era gerenciável. Ter que voltar e enfrentar as mesmas coisas traumáticas pode não ter sido a melhor das ideias.

— Não liga para ela. — Grover disse mais uma vez, os três observando o time de basquete praticar bem no momento em que Percy fazia uma cesta e olhava em direção a ele, sorrindo vitorioso.

Talvez, no fim, todo esse drama valesse a pena se a recompensa fosse o sorriso iluminando o rosto de Percy Jackson.

Capítulo IV

O sinal bateu bem na hora em que Nico bocejou, levando a mão à boca.

— Você quer ir pra casa? — Percy disse, distraído. Ele parou de escrever na folha de questões sobre física, parecendo pensar seriamente sobre alguma coisa antes de voltar a escrever com pressa, sem desviar a atenção da tarefa.

Nico não estava reclamando pela falta de atenção, gostava de saber que poderia relaxar enquanto Percy segurava em uma de suas mãos e continuava a fazer a tarefa por eles. Mas não era como se Nico fosse sair correndo no caso de Percy não estar lá para impedi-lo, certo? Era quase engraçado, eles sentados em uma roda de seis ou sete pessoas no chão da biblioteca enquanto Nico observava Percy fazer todo o trabalho pesado.

Nico queria dizer para Percy que não estava cansado, que era só o fuso horário e que ainda tinha que se acostumar com a nova rotina. Mesmo que ele tenha chegado há dois ou três dias, mal tinha conseguido dormir nas noites anteriores, sem mencionar o clima que era bem mais ameno do que na Itália. Não era sua culpa se o clima frio o fazia ficar com sono. O problema era que Percy disse que seriam dez minutos, então esses dez minutos viraram trinta e agora, uma hora e meia depois, sentado no meio dos colegas de classe, eles resolviam as questões que o professor tinha entregado, valendo nota. Talvez se Nico estivesse ajudando Percy com a tarefa, igual os outros estavam fazendo, trabalhando em pares, eles já teriam terminado, mas como Percy parecia feliz em escrever sozinho, Nico deixou que Percy se divertisse. Ele observou a expressão séria e concentrada no rosto do amigo, que enfim levantou o rosto e o encarou, sorrindo, parecendo apenas naquele momento se lembrar de sua presença.

— Desculpa. Sempre acabo fazendo essas coisas sozinho. Não tenho paciência para ficar enrolando.

Percy estava certo. As pessoas ao redor estavam escrevendo, mas elas também conversavam em voz baixa, discretas, porém óbvias.

— Eu prometi. Vamos. — Percy voltou a falar

— Você pode terminar, eu não me importo.

— Mas eu terminei.

Percy estava certo mais uma vez. Nico espiou a folha no colo de Percy e viu que todas as questões estavam preenchidas com respostas completas.

— Você quer levar para casa e estudar?

— Não, não precisa.

Se levantando, Percy guardou a folha dentro da bolsa e o ajudou a se levantar também. Percy o apoiou pelas costas e pegou ambas as suas bolsas espalhadas pelo chão.

Ninguém pareceu vê-los sair, apenas a bibliotecária que os cumprimentou na saída e finalmente eles estavam livres; o sol de fim de tarde ainda brilhava no alto, trazendo um pouco da umidade e do calor que Nico tanto sentia falta, mesmo que não se comparasse com a visão de sua casa em Verona, o alto da colina, sendo possível ver o céu claro e límpido enquanto o sol se escondia no horizonte. A verdade é que nada disso o faria se sentir mais contente do que aquele momento ao lado de Percy fazia.

Nico deu alguns passos para fora dos corredores largos e foi em direção ao pátio descoberto, fechou os olhos e deixou que os raios de sol o esquentassem suavemente. É claro que o motivo para seu contentamento estava logo a seu lado. Era Percy que segurava em sua mão, a presença acalentadora e a mão sempre estendida em sua direção, Nico até podia sentir o olhar atento e afetuoso. Ele nem precisava se virar para saber, Percy estava ali, a meros palmos de distância, como sempre havia sido.

— O que foi? — Nico teve que perguntar, ainda de olhos fechados.

— Te mantive em cárcere privado, não foi?

— Não seja ridículo. — Nico quase revirou os olhos de impaciência, querendo sair logo dali, mas se contentando em passar mais alguns minutos sobre o calor do sol.

— Não fica bravo comigo.

— Não estou bravo. — Nico quase não deu importância ao que Percy falava, pois conseguia sentir o tom brincalhão retornando com força. Porque, no fim, o que Percy queria era atenção. E não seria a primeira vez que algo assim acontecia.

— Hmm, não. Isso não pode ficar assim.

Nico abriu os olhos e viu que sem perceber, eles já estavam no estacionamento do colégio. Esse tinha sido seu maior erro, enquanto ele estava distraído com o céu limpo e o clima agradável, perdeu o momento em que Percy o encurralou contra a parede do estacionamento e levantou as próprias mãos e… e as enfiou contra sua barriga e abdômen, começando um ataque de cócegas. Nico não lembrava da última vez que alguém tinha tido a coragem de fazer aquilo com ele. De fato, Percy tinha sido o último, dois anos atrás, antes dele viajar para longe. Naquela época, quando Nico ficava quieto por muito tempo essa era a tática favorita que Percy tinha para fazê-lo falar ou reagir; E Nico tinha que admitir, não sentia saudade dessa tortura humilhante, mas o contato era bem-vindo. Contraditório, não? Parecia que qualquer coisa que Percy fizesse seria recebido de boa vontade.

— Perseu Jackson! — Nico guinchou e se desenrolou das mãos de Percy, correndo para longe daqueles longos dedos incansáveis. É claro que ele não teria paz! Percy veio correndo atrás dele, gargalhando feito um maníaco e com pernas medindo o dobro das suas, Percy em meros minutos o alcançou, o segurando pela cintura.

— Ni-coo… — E tudo bem, agora que Nico analisava as coisas… eles não tinham as brincadeiras mais inocentes, porque a forma que Percy o segurava apertado, costas contra peito e boca bem perto de seu ouvido… era exatamente como as coisas costumavam acontecer no passado.

— Eu te perdoo! Te perdoo.

— De verdade? Você não está falando isso para depois se vingar de mim de formas lentas e cruéis?

— Eu nunca faria isso!

— Mentiroso. — Percy disse na mesma forma doce e baixinha contra sua pele, parecendo que não iria soltá-lo tão cedo.

— Percy! A gente não é mais criança!

— Isso é verdade. — Percy voltou a murmurar e deu uma risadinha seca que fez os cabelos da nuca de Nico se arrepiarem. Isso é, antes de Percy o virar de frente e se aproximar mais ainda dele, encostando sua testa contra a dele. E talvez, esse gesto seria algo comum quando eles estavam longe de olhares curiosos, debaixo das cobertas, nas milhares de vezes que ele dormia na casa de Percy já que apenas as empregadas e Bianca estariam o esperando em casa. Quando eles eram pequenos parecia algo afetuoso e inocente, mas agora… bem… ainda parecia afetuoso. — Você quer jantar? O restaurante ainda está aberto.

A cabeça de Nico estava girando. Ele mal conseguia pensar, sentindo o efeito que o corpo de Percy tinha sobre ele, sobre sua mente, vontades e corpo. Como Percy podia pensar em comida quando eles estavam tão próximos, respirando o ar do outro? Quando as mãos de Percy estavam em sua cintura e em seus cabelos, não permitindo que ele desviasse o olhar? O pior de tudo era a forma que Percy o abraçava, o prendendo contra a parede, sem permitir sequer um milímetro de distância entre eles.

— Nico… Niccolas… — Por que Percy tinha que sussurrar seu nome daquele jeito? Por que Percy tinha que tocá-lo daquele jeito? Tão forte e firme, como se temesse que Nico fosse desaparecer a qualquer momento? Ele… Nico não sabia se estava pronto.

Tão perto agora… a cabeça de Percy veio em direção a sua e… e… e Nico deixou o ar sair, fechando os olhos com força.

— Comida. Comida é uma boa ideia. Certo? — Nico engoliu em seco por um momento, mas quando Percy não fez nada além continuar o abraçando, sem se aproximar mais, Nico abriu os olhos, vendo os olhos verdes e intensos sobre ele, queimando feito labaredas.

— Você está com medo de mim. — Tinha sido uma afirmação, a luz nos olhos de Percy parecendo sumir junto com seu sorriso brincalhão.

— Não… eu não… eu só… não estou pronto?

— É isso mesmo? Ou é outra coisa? Eu não quero ser uma dessas pessoas…

Nico entendia o que Percy queria dizer. Percy nunca faria algo para abusar de sua confiança, mesmo que tentasse. Ele confiava em Percy, era em si mesmo que Nico não confiava. Se Nico já estava assim em menos de vinte e quatro horas perto de Percy, o que aconteceria se ele se deixasse levar? Temia que… que a obsessão retornaria ainda mais intensa do que antes.

— A gente pode ir devagar? — Nico conseguiu cuspir para fora, se sentindo estremecer.

— É claro. Tudo o que você quiser. — E Percy parecia falar sério.

Percy o observou por mais alguns momentos, como se decidisse algo importante e deu um passo para trás, apenas o suficiente para segurar em sua cintura e o guiar até o carro que estava parado perto da saída do estacionamento.

Percy abriu a porta para ele, pegou ambas suas mochilas e as colocou no banco de trás, dando a volta rapidamente para se sentar a seu lado, parecendo ansioso. Não era aquela ansiedade do tipo de quem estava bravo ou irritado, era mais… alguém cheio de energia e que não sabia o que fazer com isso. Restou a Nico relaxar contra o assento do carro e encostar a cabeça no apoio, quem sabe quando eles chegassem no restaurante a tensão que ele sentia teria se dissipado.

Capítulo V

— O que você acha?

O restaurante era um lugar bem aconchegante e acolhedor, a decoração era feita de forma simples e em confortáveis tons vermelhos, como algo que ele veria na casa de sua avó em Verona. Nico sentia vontade de se sentar em uma das poltronas perto da recepção, fazer um chocolate quente e ficar perto da lareira com um cobertor sobre seus ombros.

— Eu gostei.

— Temos uma reserva. — Percy disse todo orgulhoso, o guiando para dentro do restaurante. Eram seis horas da tarde em ponto, o que significava que Percy tinha planejado tudo aquilo, matar tempo na escola para trazê-lo ali na hora certa.

— O que eu faço com você, hein?

— Que tal dizer “Obrigado, Percy. Você é tão atencioso”.

— É assim que você dá em cima das pessoas?

— Está funcionando?

Nico suspirou e aceitou a mão que Percy oferecia, o levando em direção ao maitre. O lugar era específico demais. Provavelmente outras pessoas da idade deles não gostariam desse restaurante tanto quanto Nico tinha gostado. O pior era que Nico não odiava nenhum pouco isso, na verdade, Nico apreciava o esforço que Percy tinha feito para encontrar algo tão… tão a sua cara, como se tivesse encontrado um pedacinho da Itália apenas para que ele se sentisse confortável.

— Você não precisava.

— Eu quis que você se sentisse bem-vindo. — Nico não precisava olhar na direção de Percy para entender o que aquelas palavras realmente significavam, porque o que Percy realmente queria dizer era “Eu quero que você se sinta em casa para nunca mais precisar ir embora”.

Nico não sabia desde quando eles eram tão óbvios. Cada palavra e cada gesto. Era como se eles estivessem dançando, como se soubessem cada passo e só estavam esperando a música acabar para enfim… certo. Nico, então, levantou a cabeça e encarou Percy que naquele momento parecia o homem mais perfeito do mundo, aquele que Nico sempre havia sonhado em ter; gentil, compreensivo, bonito, bem vestido, tão alto e forte que Nico sabia que nunca precisaria se preocupar em se defender do resto do mundo. Mas, Percy sempre tinha sido assim, o perfeito príncipe, atencioso e generoso, ainda que um pouco rebelde. No fim, realmente era óbvio, não era? Esse era o motivo de seu problema. Não importava em quem ele procurasse, Nico sempre acabaria nesse mesmo lugar, buscando por Percy em todos os rostos. Talvez ele apenas devesse parar de procurar em outros lugares.

— A gente pode ir pra casa, se você quiser. — Percy disse a ele, agora parando a sua frente. Ele devia estar fazendo papel de bobo de novo, olhando para Percy sem dizer nada.

— Não, a gente pode comer. — Quando o sorriso voltou para o rosto de Percy, Nico soube que tinha feito a escolha certa.

Eles seguiram o maitre pela fila de mesas até o fundo do salão e subiram um par de escadas, ambos sendo convidados a entrar em um salão que era mais espaçoso que do andar de baixo, praticamente vazio. Várias mesas pequenas e redondas se encontravam espalhadas pelo cômodo, e outras com mais privacidade ao fundo do salão se localizavam perto de grandes janelas que deixavam a luz do dia entrar, a toalha em fortes tons de vermelho com velas aromáticas já acessas devido ao cair da noite traziam o perfeito clima do interior da Itália.

— Espero que os senhores aprovem os assentos. — Eles acenaram e logo lhes foi oferecido o menu.

A verdade é que Nico não estava interessado em comida ou na decoração, não era por isso que estavam ali. Ou era? Pensando bem, Percy sempre fazia o contrário do que ele estava esperando. Assim, Nico tinha se decidido, deixaria que Percy lhe dissesse o que fazer em seguida.

— O que você quer comer? — Percy disse a ele. Suas mãos seguravam o cardápio, mas seus olhos estavam sobre os de Nico, olhos que pareciam mais verdes do que nunca sobre a luz das velas naquele restaurante, a penumbra da noite deixando o ambiente ainda mais intimista e pessoal.

— Não sei, um vinho? Você escolhe.

Percy encarou Nico por um momento, parecendo refletir sobre a resposta e se aproximou mais um pouco, colocando o braço sobre o ombro de Nico e desfazendo o resto da distância entre eles.

— Eu queria conversar sobre a gente.

— Eu sei disso.

— Eu só… preciso saber.

— Eu sei.

— São quase dez anos nisso. Eu preciso saber.

E Percy estava certo. Eles eram tão pequenos e inocentes naquela época, e depois… depois eles ainda eram pequenos, mas não tão inocentes até que… até que Nico surtou e depois Percy surtou e Nico foi embora sem avisar ninguém. Assim, do nada, e tão do nada quanto Nico tinha partido, Percy tinha ligado para ele, tão diferente do que Nico conhecia e tão familiar ao mesmo tempo que o deixou confuso por longos anos. Nico se lembrava que durante os longos meses teve energia apenas para cumprir suas obrigações e se apegar a essas ligações diárias até que ele soubesse o que fazer. E ali estavam eles, praticamente no mesmo lugar, a diferença era que agora eles entendiam quais seriam as consequências, não importava qual fosse a decisão no final.

— Eu gosto de você. — Nico se decidiu pelo mais simples. Admitia que não era a pessoa mais assertiva ou que sequer fazia boas escolhas, mas disso ele tinha certeza; gostava de Percy, o amava. E nada poderia mudar esse fato.

— Não foi o que eu perguntei.

— Eu não sei. Sinto sua falta. É o suficiente?

— Não. — Percy dizia tudo aquilo tão sério que Nico meio que… queria rir. Talvez ele já estivesse um pouquinho. Ninguém podia culpá-lo por isso.

— Então, você decide. — Era melhor assim, Percy sempre fazia as melhores escolhas.

— Nico! Você disse que não estava pronto!

— Não estou. Nunca vou estar. Não quero destruir o que a gente tem, sabe? Na verdade, não quero um relacionamento. Mas...

— Porque você tem que ser tão indeciso!

— Não é sobre sexo. Essa é a parte fácil.

— Nico, eu sei disso. O que posso fazer para você--

— Deuses, Percy! Eu sou o problema, tá bom? Sou muito instável. Você não quer andar com uma bomba relógio no bolso, quer?

— Bebê, você pode explodir quando quiser, contanto que exploda comigo.

Nico gemeu e levou as mãos ao rosto, isso era ridículo! Ambos sabiam por que ele tinha ido embora e sabiam perfeitamente por que ele tinha voltado. Nico ainda estava se acostumando com a ideia de que dessa vez ele não tinha para onde correr quando seus sentimentos irrompessem por todos os cantos, obrigando Percy a catar os pedaços.

— Será que você pode falar sério por cinco minutos?

— Eu sei de tudo isso, querido. Cada coisinha que você acha que consegue esconder de mim.

— Vai ser pior do que antes!

— Você disse que eu podia decidir.

— Sim, mas-- quero ir devagar.

— Então me deixe decidir. Eu só preciso da sua permissão.

— Permissão para fazer o quê?

Em câmera lenta, Nico observou a mão que estava em volta de seu ombro viajar para sua nuca, massageando o lugar. Quando menos percebeu, Percy o puxou suavemente para mais perto, inclinando sua cabeça até alcançar a posição certa para os lábios de Percy finalmente descerem contra os seus no beijo mais inocente e doce que ele já tinha provado.


Até a proxima!

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