Capítulo I
— Olha quem voltou! O garoto italiano. — Nico apenas teve
tempo de se virar antes de ser prensado contra ombros largos e braços fortes
que o abraçaram com tanta força que o levantou no ar, o deixando sem fôlego e fazendo
com que seus livros e bolsa caíssem ao chão, a porta de seu armário sendo
fechada com um estrondo barulhento.
— Perseu Jackson!
— Só a minha mãe me chama assim.
Mas Percy estava rindo, o girando no ar enquanto as pessoas
ao redor olhavam para eles. Também, não era para menos. Eles estavam bem no
meio do corredor onde havia vários armários, dando para a entrada das classes
de aula. Nico não resistiu, envolveu os braços ao redor do pescoço de Percy e o
abraçou tão forte quanto Percy tinha feito, enterrando o rosto contra o pescoço
de Percy.
— Eu senti sua falta.
— Eu também senti a sua. — Nico murmurou de volta e se
afastou, finalmente conseguindo ver o rosto de Percy.
Olhos tão verdes quanto ele se lembrava, nariz reto e
empinado, lábios finos e largos sempre em um sorriso bonito. O que tinha mudado
era a altura, quase dois metros, e músculos. Onde ele se lembrava de um garoto
tímido e um pouco triste, agora Nico via um homem que tinha se transformado
nesse… nessa pessoa decidida e cheia de vida. Confiante. Forte. Charmoso.
Embora Nico ainda pudesse ver a bondade e amizade que eles costumavam ter, essa
coisa entre eles... ter que lidar com esses sentimentos tão abertamente ainda
era algo novo. Nico não podia evitar a comparação com o passado, onde ele era
jovem demais e Percy era… Percy era Percy, abrindo a porta de sua casa para um
garotinho tão triste e solitário quanto ele próprio.
— Dois anos, hein? Eu pensei que você nunca ia voltar.
— Eu também pensei.
— Me deixe te ver melhor. — Não era como se Percy nunca
tivesse o visto de perto ou todos os dias durante esses dois anos por vídeo
chamadas. Tinha esquecido como Percy podia ser intenso, cheio de toques e
sorrisos.
Percy levou uma de suas mãos a seu rosto e penteou seus
cabelos para trás, expondo sua face por completo. E ele? Bem, Nico apenas
encarou Percy de volta, tão focado no garoto quanto Percy se focava nele. A
verdade é que todas as ligações e vídeo-chamadas não se comparavam ao que a
realidade lhe mostrava, o fazendo se questionar o que tinha acontecido para que
ele tivesse fugido de Percy, desses gestos tão… tão afetuosos e tão atenciosos.
Como ele teve coragem de fazer isso com eles? De deixar a pessoa que mais amava
para trás? E só por causa de medo? Ele era a pessoa mais covarde desse mundo
todo.
— Hm… Percy...? Me põe no chão, sim? — Nico fez o seu melhor
para ficar sério.
— Por quê?
— Você não tem vergonha?
— Eu tenho?
Então, Percy sorriu ainda mais e enfim o colocou no chão
para em seguida afrouxar o agarre em seu rosto e em sua cintura, sem se
afastar, porém. Percy se inclinou sobre ele, como se tivesse algo em seu rosto
que Percy precisava ver mais de perto.
— Tudo certo? Por que você não me disse que chegava essa
semana?
— Por quê? Você ia me buscar no aeroporto?
— É claro, meus amigos merecem o melhor.
— E o que seria esse melhor?
— Eu, é claro.
Nico jurava que estava tentando ficar sério. Pelo jeito que
as coisas iam, Percy queria algo a mais e no momento ele não estava pronto. Mas
não adiantou, Nico se segurou nos ombros de Percy e sorriu; ele achava que essa
era uma das piores cantadas que ele já tinha ouvido.
— Ei, não ri da minha cara. Eu sou um cara legal.
— E muito humilde, também.
— Muito. — Percy disse e enfim o soltou, se encostando a seu
lado em frente aos armários.
Nico suspirou em alívio. Ele se abaixou para pegar suas
coisas do chão e as guardou dentro do armário, lhe dando tempo para respirar.
Às vezes, Percy era um pouco demais para ele; era o que Nico tinha descoberto
durante os anos, nas milhares de conversas que tiveram nesse tempo afastados e
os boatos que seus amigos insistiam em compartilhar com ele mesmo estando do
outro lado do planeta, o fazendo perceber que Percy tinha se segurado nos anos
que passaram juntos. O fato era que Nico não sabia exatamente quando Percy
tinha mudado do garoto introvertido para essa pessoa esfuziante, ou se Percy
tinha começado a agir como si mesmo por causa de sua ausência, mas ele gostava.
E odiava ao mesmo tempo, fazendo seu estômago se revirar de nervosismo e
expectativa.
— Agora, de verdade, como as coisas têm estado?
— Você sabe, iguais. — Nico deu de ombros e fechou o
armário, tirando os livros que usaria naquele dia, os guardando na bolsa. —
Bianca veio comigo.
— Faculdade? — Percy perguntou. — E você?
Nico deu de ombros mais uma vez e se encostou ao lado de
Percy em frente aos armários, voltando a encará-lo de perto, o olhando sobre os
cílios, tentando não demonstrar como realmente se sentia. Achava que nunca se
conformaria com a beleza do amigo, agora duplicada conforme os traços suaves da
adolescência davam lugar a músculos definidos e um rosto angular e forte, o
sorriso de canto, o olhar intenso, a atitude confiante… e… bem, tudo isso e
muito mais.
— O que tem isso?
— O que te traz de volta?
— Eu... senti falta de casa. — Nico acenou para si mesmo,
tentando se convencer disso. — Por um tempo pensei que fosse em Verona, mas… eu
sempre ficava me perguntando o que estava acontecendo por aqui.
— Então, você decidiu voltar? Simples assim?
— Por que não? Eu vou fazer dezoito em alguns meses. Queria
aproveitar esse último ano e rever o pessoal.
Bem… ele queria rever algumas poucas pessoas e uma delas
estava bem em sua frente, olhando para ele como se quisesse… como se quiser ver
o que tinha dentro de sua mente. E como costumava acontecer, Nico foi o
primeiro a perder nesse joguinho para ver quem desviava o olhar primeiro.
— Então… você sentiu saudade e veio para ficar ou…
— Vim para ficar.
— Fico feliz. — Percy disse, ainda sorrindo, algo mais
sincero e bonito, como se tivesse cansado de flertar. — Quem sabe a gente pode
se ver mais tarde. Comer alguma coisa?
— Mais tarde, quando?
— Hoje. Depois da prática de basquete. Quer me ver jogar?
— Oh, não! Era isso o que eu mais temia! O clichê colegial!
— Ele riu e Percy riu junto, o fazendo lembrar dos velhos tempos.
— Sabe, você não pode falar de mim. Você era todo bonitinho
e tímido e agora voltou parecendo sair de um filme dos anos oitenta. Jaqueta de
couro, calça rasgada e isso… é maquiatem? — Percy se aproximou mais uma vez
dele e segurou suavemente em seu queixo, apenas mais uma desculpa para tocá-lo,
disso Nico tinha certeza; não que estivesse reclamando. Percy podia fazer isso
e muito mais. — Você é o perfeito garoto bonzinho que ficou rebelde.
— Eu ainda sou um bom garoto.
Isso fez Percy parar por um momento, ainda com as mãos sobre
o rosto de Nico, e o encarar longamente apenas para um sorriso de canto
aparecer junto a covinhas mais bonitas ainda.
— É mesmo? O quanto você é um bom garoto?
— Acho que você nunca vai descobrir.
Mais um silêncio e mais um olhar que no passado o faria
correr em busca de abrigo mais rápido que um foguete. Entretanto, esse Nico
tinha ficado para trás junto com sua inocência.
— Hm. — Foi tudo o que Percy disse durante alguns momentos,
e Nico jurava que ele estava se aproximando em direção a seu rosto quando o
sinal tocou, os interrompendo.
— Certo. — Nico pigarreou, endireitando a coluna e olhando
ao redor. — Acho que eu tenho que ir.
— Qual seu primeiro horário?
— Língua portuguesa. Preciso passar na secretaria primeiro.
— Eu vou com você.
Nico nem tentou negar, ele tinha sentido tanta falta de
Percy que estender um pouco mais as coisas não faria mal. Ele se desencostou do
armário e, de novo, aconteceu algo que Nico não esperava. Percy pegou a mochila
de seu ombro, a carregando para ele e com a outra mão, entrelaçou os dedos com
os seus, o puxando suavemente pelo corredor quase vazio em direção à
administração do colégio.
***
Nico passou os olhos pelo longo corredor e imediatamente a
nostalgia o acertou em cheio no meio do peito.
Era estranho estar ali depois de tanto tempo. As paredes cor
creme ainda eram as mesmas, ali estavam os mesmos bancos azuis e as mesmas
mesas pretas, os mesmos corredores largos e a mesma cantina, pintada da mesma
cor pastel suave. Nico até conseguia reconhecer alguns rostos familiares no
meio de outros mais jovens. Era um dejavú, só que agora ele via as coisas do
alto, numa perspectiva distante, quase deslocada, onde antes seus dias eram
permeados por ansiedade e incerteza, agora tudo parecia mais fácil e incolor,
ainda que um pouco doloroso, mas sem importância e talvez até confortável.
Talvez fosse pelo fato de Percy ainda estar segurando em sua mão, conversando
com a mesma secretária de dois anos atrás, uma senhora de cinquenta anos,
sempre sorridente e solícita.
No fim, não demorou muito para ele conseguir seus papéis de
admissão que precisaria mostrar para seus professores.
— E então, língua portuguesa? Aula dupla? Eu também tenho. Me
deixa ver seu horário.
Nico deu de ombros e tirou de dentro da bolsa sua grade
horária de aulas. Ele observou Percy pegar o papel de suas mãos, franzir a
testa em concentração e entregar a folha de papel de volta para ele: — Temos a
maioria das aulas juntos. Você está nos clubes de artes e de música? Eu estou
no de música também, prática de violão.
— Parece ser os mais fáceis.
— Eu aposto.
— Cala a boca. — Nico empurrou Percy pelos ombros e andou
para fora da secretaria. Poucas pessoas sabiam que ele tinha facilidade para
coisas criativas e talvez ele tenha tocado algo para Percy durante os anos.
Bem, isso não era da conta de ninguém além dele e de Percy.
— Nico, as salas mudaram! Estamos usando os auditórios.
— Tá bom. — Nico revirou os olhos e dessa vez nem se
surpreendeu quando Percy o alcançou e tocou em seu ombro, suas mãos grandes
deslizando por suas costas até chegar em sua cintura, o guiando suavemente na
direção correta. Na verdade, ele não se lembrava dessa escola ter um auditório,
então, se deixou ser guiado por Percy, uma presença confortável e calorosa a
seu lado.
***
Infelizmente, em poucos minutos de caminhada, Percy e Nico
chegaram ao auditório, interrompendo o momento de quietude e fazendo Nico
reconhecer a mudança imediatamente. Aquele era um grande espaço perto da quadra
principal de esportes que costumava ser parte da floresta e dos cultivos de
plantas e vegetais, mas que agora abrigava um prédio alto com alguns andares e
que se estendia por longos metros, quase se fundindo a vegetação da floresta.
Entretanto, esse não era o momento de apreciar a beleza do prédio ou da
natureza ao redor. Percy empurrou a porta principal e eles entraram pelo saguão
da recepção, logo passando por uma atendente e andando por duas salas a frente
para entrar na terceira, abrindo a porta e encontrando a sala de aula que eles
procuravam.
Quando eles enfim entraram no auditório a aula já tinha
começado. A professora Johnson não era do tipo que se importava com atrasos se
a aula não fosse atrapalhada, por isso Percy ficou parado na entrada principal
da sala, longe do olhar da professora, preferindo ver Nico descer até o
palanque onde a professora estava, o vendo entregar o papel para ela assinar. O
que Percy podia dizer? Nico era uma visão bem mais interessante naquele
momento, longas pernas encobertas por um jeans justo, bunda empinada, cintura
fina, ombros largos, profundos olhos negros e uma boquinha que parecia estar
sempre mordida e avermelhada, pele negra e bronzeada, parecendo ser tão macia
que ele não resistiu a vontade de tocar nele assim que pôde, só para testar a
teoria, principalmente depois de tanto tempo longe um do outro.
Ele admitia, estava indo rápido demais, mas tinham sido dois
anos inteiros! Era tempo suficiente para saber se você gosta de alguém, não
era? Sem contar os sete anos antes disso. Talvez ele devesse ter ido para a
Itália com Nico quando Hades ofereceu, sempre generoso mesmo que ausente na
maioria das vezes.
Percy foi tirado de seus devaneios quando Nico terminou de
falar com a professora e veio em sua direção, despreocupado e lento, como se
tivesse todo o tempo do mundo, desfilando com suas roupas punk e atitude
despretensiosa. Por que evitar algo que ele sabia que aconteceria cedo ou
tarde? Se Percy pudesse, beijaria Nico ali e agora, para acabar com aquela
tortura que se estendia por tantos anos. Não foi o que ele fez, é claro. Os
anos de descontrole tinham ficado no passado.
Se Percy tinha esperado por mais de dois anos, podia esperar
mais alguns dias.
— Tudo certo?
Nico apenas acenou e pegou em sua mão, o levando em direção
ao meio do auditório, onde eles podiam ter uma boa visão da professora e do que
ela estava falando. Percy nem teve tempo de apreciar Nico tomando a iniciativa
e tocando nele por vontade própria, embora sentisse que deveria se preocupar
mais com a reação das pessoas ao redor deles, os olhares nada discretos e
murmúrios feito zumbidos a seu ouvido. O fato era, ele não costumava exatamente
namorar garotos em público e tão pouco garotas, principalmente porque Annabeth
sempre estava por perto para fazer com que todos pensassem que ele estava com
ela. Era o que era, Percy só esperava não ter que socar alguns rostos. Porque
ele faria, e com muito prazer.
— Per? — Ele escutou alguém o chamar e só tinha uma pessoa
que ainda o chamava assim. — Em que capítulo a gente está?
— Sete.
— Obrigado. — Nico murmurou mais baixo do que antes e se pôs
a ler, completamente concentrado no livro e no que a professora dizia.
Restou a Percy se perguntar como alguém podia ser tão
bonitinho? Tão adorável? Observando um pequeno vinco aparecer entre as
sobrancelhas de Nico, vendo seus lábios se formarem um biquinho frustrado até
que Nico pareceu encontrar o que procurava no livro, relaxando contra o acento
e se colocando a fazer anotações rápidas conforme a professora discutia o
assunto.
Então, um barulho veio da fileira de cadeiras acima da sua,
alguém o tocando no ombro. Ele se virou e lá estava Grover, seu mais antigo
amigo de infância.
— É quem eu penso que é?
— Nico. — Percy confirmou, tentando ser discreto.
— Aquele garoto quieto e triste que Sally tinha praticamente
adotado? O seu garoto italiano? Eu nem reconheci ele. Agora eu entendo a
obsessão nos últimos anos. Não que não seja igual a antes, mas…
— Cara! — Percy sussurrou furiosamente.
Ele não era tão obcecado assim… era? Percy olhou para o
lado, só para ter certeza que Nico não tinha escutado, vendo que o garoto
continuava concentrado na aula e voltou a encarar Grover: — Depois a gente
conversa.
— Como você quiser, Don Juan.
— Tanto faz.
Percy se virou para a frente, se inclinou sobre Nico, vendo
onde eles estavam no livro e ignorou todo o resto. Quando Nico empurrou o livro
em direção a ele para que os dois pudessem ler, Percy não hesitou. Colocou o
braço ao redor do ombro de Nico, juntou suas cabeças e começou a ler. Quem sabe
se ele pudesse se concentrar, a vozinha no fundo de sua mente pararia de
lembrá-lo de que isso daria em mais confusão do que ele estava disposto a
lidar.
Capítulo II
— O que você achou das primeiras aulas? — Percy teve que
perguntar, apenas para ver a expressão de irritação se formar no rosto de Nico,
algo bonitinho entre uma careta e um franzir de lábios.
Percy sabia qual seria a resposta, pois Nico
simplesmente não aceitava não saber de alguma coisa. O que realmente chamava
sua atenção era saber o quanto Nico tinha se tornado bem mais expressivo nos
últimos anos, como se o garoto tivesse se dado o direito de sentir e se
expressar como bem quisesse, sem qualquer tipo de medo ou hesitação. Nada podia
se comparar em ver tudo pessoalmente, e sendo assim, ninguém poderia culpá-lo
de se perder na beleza de Nico, de querer sentir na ponta dos dedos para ter certeza
de que tudo aquilo era real.
— Foi normal. Eu
acho. Estou um pouco atrasado, mas nada que algumas leituras não resolvam. —
Nico deu de ombros e continuou andando a seu lado, passando as mãos pelos
próprios cabelos e os jogando para trás, evitando que eles caíssem em seus
olhos; longos cabelos que pareciam brilhar no sol, longos e negros, porém, não
como ele faria no passado; era um gesto mais expansivo e relaxado, um fato que
Percy não sabia dizer como conseguia diferenciar. No fim, Grover devia estar
certo. Ele estava obcecado. Sempre esteve.
— Com fome?
— Não muita.
Percy segurou nas mãos de Nico e mesmo assim, ambos sem
apetite, andaram pelo refeitório lado a lado, caminhando de mãos dadas entre as
mesas e bancos até chegar ao balcão da cantina. Percy não poderia deixar de
notar, sentia como se estivessem desfilando, se fosse pelo jeito que as pessoas
olhavam para eles; se eram olhares de admiração, inveja ou desgosto era difícil
diferenciá-los, estava ocupado demais encarando o perfil do rosto de Nico,
principalmente vendo Nico levar os dedos a boca e os morder levemente,
parecendo indeciso.
Naquele momento, Percy decidiu. Ele queria desfilar com
Nico pendurado em seus braços. Queria que todos vissem, que todos soubessem a
quem Nico pertencia. Nunca mais deixaria que nada ficasse no caminho deles.
— O que você vai pedir? — Nico perguntou a ele, enfim o
encarando, parecendo alheio a todo o resto.
— Um suco está bom. Que tal dividir uma torta? — Percy
ainda se lembrava de cada pequeno de detalhe sobre Nico, que ele gostava de
dormir até tarde, que sempre estava indeciso sobre algo e sabia que a torta de
legumes com queijo era a preferida de Nico.
E só para provar seu ponto, Nico sorriu e acenou,
pedindo um milkshake para si próprio.
Era tudo tão familiar que Percy sentiu um aperto no
coração. Por que aquilo doía tanto? Percy não devia estar feliz por ter seu
melhor amigo de volta? Bem, Nico parecia estar muito feliz com seu milkshake e
metade da torta de legumes, agora que eles tinham achado um lugar desocupado
para se sentar. Era como um truque de mágica ver um leve rubor de felicidade se
espalhar pelo rosto moreno, se intensificando à medida que Percy continuava
observando Nico mastigar pequenos pedaços de forma suave e delicada.
— Você não vai comer? Está tão gostoso quanto eu me
lembrava.
— Nico. — Percy reclamou, frustrado.
— O que foi?
— Será que você pode comer com menos prazer?
Certas coisas nunca mudavam. Nico olhou para ele com a
boca em volta do canudo e sorriu, sugando o sorvete com vontade. Percy apenas
balançou a cabeça e desviou o olhar, dando a primeira garfada na torta. Nico
tinha razão, a torta ainda tinha o mesmo gosto, a massa suave e macia, o queijo
que derretia na boca e o gratinado crocante por cima. Desde que Nico tinha ido
embora ele não tinha tido coragem de comer essa torta, ela lhe trazia lembranças
que Percy preferia deixar para trás.
— Per-cy. — Nico o chamou, praticamente cantarolando,
sorrindo, apoiando a cabeça nas mãos e piscando devagar para ele, seus olhos
negros e brilhantes o distraindo por um momento.
— Hm?
— Você não devia comer com seus amigos?
— Por quê?
— Eles estão olhando para a nossa mesa.
Talvez fosse verdade.
Percy desviou o olhar em direção a eles e rapidamente
voltou a se concentrar em Nico. Eles não eram importantes, mesmo que sentisse
os problemas se aproximando pelo simples motivo de Annabeth estar entre eles.
Annabeth, Thalia, Luke, Grover, Chris e Clarice. Todos velhos amigos dele e de
Nico; se é que ele podia considerar algumas daquelas pessoas suas amigas. E
tudo bem, talvez não fosse certo manter Nico só para ele quando ele não era o
único que tinha sentido saudade.
— Você quer falar com eles?
— Nah. Depois. O que eu quero saber é, com quem você
está saindo?
— O quê? Eu não--
— Annabeth ou Luke?
— Eu nunca! — Quando Nico fez uma careta nada
impressionada, Percy confessou: — Tá bom! A gente teve um rolo, mas é coisa do
passado. Estou livre feito um pássaro.
— Você tem certeza?
— Eu prometo.
— Por que não acredito em você? — Então, Nico se
encostou no apoio do banco e cruzou os braços. — Eu não vou ganhar uma
surpresinha dos seus ex-namorados, vou?
— Por que isso aconteceria?
— Pelo jeito que as coisas andam…
Percy não conseguiu fingir por mais tempo, sorriu para
Nico e se inclinou em direção ao garoto, segurando em suas mãos, as levando em
direção aos próprios lábios, as beijando longamente: — Eu prometo que nada vai
acontecer. Eu não sou esse tipo de homem.
— Hm, sei bem. Será que eu devo saber de mais alguma
coisa?
— Eu só tenho olhos para você, querido.
— Você tem que parar com isso. — Mas, mesmo enquanto
Nico falava isso, um rubor subiu pelo rosto de Nico, voltando com força total,
aquecendo o peito e o coração de Percy. Talvez fosse porque Percy ainda
segurava nas mãos de Nico ou talvez fosse porque eles estavam sentados lado a
lado no meio de toda aquela gente, ambos olhando um para o outro como se o
resto do mundo não existisse, em um momento que eles raramente compartilhariam
com uma multidão desse tamanho, um momento que deveria ser íntimo e particular.
— O que eu estou fazendo? Mostrando o quanto você é
importante para mim?
— Percy.
— Eu devia ter feito isso anos atrás.
Percy segurou mais forte nas mãos de Nico e as levou
mais uma vez aos próprios lábios. E dessa vez, Percy expressou muito mais do
que palavras poderiam dizer. Satisfeito, Percy viu Nico segurar o folego e
sentiu suas mãos tremerem, fazendo Nico parar de respirar por um momento,
prestes a entrar em combustão. Entretanto, quando os minutos passaram e ninguém
veio atrás deles querendo torturá-los, Nico relaxou e deixou que Percy o
puxasse mais para perto e o abraçasse forte, provocando aquela sensação gostosa
no meio do peito.
Pelos próximos minutos o mundo ao redor deles congelou,
nenhum dos dois voltou a falar e ninguém se aproximou deles. Nico continuou a
comer e Percy continuou a segurar na mão que Nico não usava. Isso é, eles
teriam continuado assim, porém, o tempo não esperava por ninguém, o bater do
sinal quebrando a calmaria que tinha se instalado, os forçando a se separarem;
Nico iria para a aula de história e Percy para a de matemática avançada. Antes
disso acontecer, Percy como o perfeito cavaleiro que era, levou Nico até a sala
de aula correta.
Percy admitia que por um breve momento pensou em agir
como o clichê que Nico o tinha acusado de ser; considerou beijá-lo bem ali,
onde qualquer um podia ver. No fim, não querendo constranger Nico, Percy se
decidiu por abraçá-lo longamente e bem apertado antes de deixar Nico entrar na
sala de aula. A boa notícia é que eles teriam a última aula juntos, física
avançada.
***
Percy mal colocou o pé dentro da sala quando uma
enxurrada de vozes o cercou. Parecia que todo mundo tinha algo a dizer sobre o
garoto italiano recém-transferido, pois, aparentemente, ele era o único que
sabia da volta de Nico.
— Eu te disse! — Um deles falou.
— Quem diria. — Outro comentou com bem menos entusiasmo.
E Percy? Bem, ele não ligava para o que eles tinham a
dizer. Andou calmamente até sua mesa, tirou seus livros da bolsa e olhou para
frente, feito o aluno modelo que ele nunca tinha sido. O que Percy podia dizer?
Sonhar acordado com Nico era bem mais agradável do que alimentar mais fofocas.
Ou entreter pessoas entediadas.
— Cara! Você não pode fazer isso comigo. — Era Grover,
mais uma vez, que agora se sentava a seu lado e colocava a mão em seu ombro, o
apertando e parecendo orgulhoso por algum motivo. Não era as palavras de Grover
que o irritava, era seu tom de voz; era a pura zombaria. — Você tem que me
contar tudo.
— E eu pensando que as líderes de torcida eram
fofoqueiras. — Percy devolveu.
— Percy!
— Tá bom.
— Tá bom? Você não está se esquecendo de nada?
— Como o quê?
— Desde quando você e Nico são tão próximos?
— A gente sempre foi. Desde os nove anos de idade.
— Mas… como? Ele não estava na Itália?
— E daí?
— Cara. — Dessa vez quem falou foi Luke que estava por
perto, apenas escutando. — Eu me sinto usado.
Isso era uma piada! O garoto mais galinha e com o maior
recorde de traições que ele já tinha conhecido, se sentindo usado! E só porque
eles tiveram algo rápido durante a ausência de Nico? Algo completamente sem
importância?
— Eu pensei que a gente tinha algo especial. — Mas
quando Percy se virou para Luke, o amigo tinha um brilho estranho no olhar e um
sorriso de quem estava prestes a aprontar algo. — Sabe quem não vai gostar de
saber disso?
— Annabeth. — Grover completou por ele, agora bem mais
baixo para que somente ele e Luke pudessem escutar.
— O que eu tenho a ver com isso? Ela não é minha
namorada.
— Você tem certeza disso? Annabeth não parece pensar o
mesmo.
— Isso é problema dela e não meu.
— Cara, isso vai dar problema. Depois não diz que eu não
avisei. — Luke disse e tocou em seu braço, fingindo ser compreensivo.
— Que tal você cuidar da própria vida?
— Se eu fosse você tomava cuidado. Eu lembro como o
pequeno Nico costumava ser indefeso. E ninguém quer que isso aconteça de novo.
Percy olhou bem para Luke, tentando decidir se isso era
uma ameaça ou se era um lembrete do que Annabeth era capaz de fazer para
conseguir o que queria. No fim, ele decidiu ser apenas um aviso, já que no
passado Luke tinha sido um dos poucos a defender Nico quando ele não pôde.
Percy só esperava que o passado não voltasse a se repetir.
Capítulo III
Nico sentia que deveria ter feito a coisa mais racional
e ter ido embora depois do clube de música, como qualquer pessoa normal faria.
Mas ali ele estava, andando pelos corredores agora vazios com seu violão e
mochila nas mãos, indo em direção à quadra descoberta que ficava mais ao fundo
da propriedade da escola. Ele não era o perfeito clichê? O garoto novo indo
encontrar o garoto bonito e popular depois da aula só porque esse mesmo garoto
bonito tinha pedido? Agora era tarde demais, Nico já tinha atravessado o
colégio inteiro e se sentava nas arquibancadas, colocando o violão no colo
enquanto dedilhava algumas notas soltas. Ele era um idiota, tinha evitado por
tanto tempo esse tipo de gesto só para cair na própria armadilha sem nem
perceber.
O que Nico poderia fazer além de deixar as coisas
rolarem e ver onde elas dariam? Ele deu de ombros, tirou uma caneta e caderno
dentro da bolsa, anotando as possíveis melodias e escalas musicais que poderia
se encaixar juntas. Não demorou muito, logo ele ouviu o barulho de uma bola
batendo no chão e passos correndo para perto de onde ele estava sentado. Nico
levantou a cabeça e lá estava Percy, batendo a bola no chão e olhando para ele,
seu sorriso quase se estendendo a suas orelhas, como se a coisa mais maravilhosa
estivesse acontecendo apenas porque Nico estava ali.
Era por isso que Nico não conseguia dizer não para
Percy. Como ele poderia quando alguém sorria assim para ele?
— Nico. — Percy disse, como se saboreasse o nome nos
lábios, feito o doce mais saboroso. — Mais dez minutos? Vai ser rápido.
Nico deu de ombros e tentou não encarar os olhos de
Percy, sabendo que seu rosto devia estar mais quente que uma pimenta. Preferiu
apreciar os ombros e braços de Percy, definidos e descobertos pelo uniforme de
basquete, um camisa de tecido fino e claro.
— Tudo bem, não estou com pressa.
— Eu posso ver.
Nico sentiu vontade de gemer de ansiedade, se viu
forçado a encarar Percy. Tinha algo na voz dele que fazia Nico querer prestar
uma atenção mais cuidadosa.
— Hm?
— Você está escrevendo uma música?
— Acho que sim. — Sem perceber, ele até tinha escrito
algumas palavras para acompanhar a melodia.
— É sobre mim?
— Poderia ser. — “Tudo o que eu faço é sobre você”.
Felizmente, Nico segurou sua língua, se contentando com
algo menos humilhante. De qualquer forma, tinha sido muito sincero de sua
parte. Isso só podia ser costume, era tão normal para Nico dizer o que viesse à
mente sem precisar se policiar perto de Percy que essas verdades saiam sem
permissão.
— Lindo.
Agora, Nico tinha ficado confuso. O que era lindo? A
música ou… outra coisa?
Percy sorriu mais uma vez e a dúvida logo se desfez.
Nico se perguntava desde quando os sorrisos de Percy expressavam tantas coisas
e como cada uma delas era tão claro para ele, como uma linguagem perfeita,
completa e sem erros.
— Então… depois?
— Eu conheço um lugarzinho que você vai amar.
— Você me conhece tão bem assim? — Mais um sorriso e um
inclinar de cabeça, como se Percy dissesse “É óbvio, bobinho”.
Nico revirou os olhos e voltou sua atenção para seu
violão. Assim era mais seguro.
— Você não tem que praticar?
— Nada é mais importante que você.
Nico gostaria de dizer que eram palavras amigáveis e que
Percy estava brincando, mas ele tinha falado com tanta firmeza e confiança que
Nico acreditou. Sabe, Percy era um ótimo comunicador quando ele queria ser. Ás
vezes, os sorrisos sumiam, como se Percy quisesse que não houvessem mal
entendidos e em outros momentos, esses mesmos sorrisos tornavam tudo mais
dificil para, porém, deixavam tudo mais claro. Era nesses momentos que Nico
preferia fingir que não tinha escutado, que não tinha entendido ou que nada
tinha acontecido. Era mais fácil quando Percy sorria para ele através de uma
tela de celular, por ligações onde milhares de quilômetros os separava, mas
ali, há menos de cinco metros? Fazia seu coração acelerar e suas mãos suarem.
— Vai logo. — Nico murmurou de volta, tentando ignorar
as palavras de Percy. — Está ficando tarde.
— Espere por mim.
Então, Nico esperou. Ouviu os passos de Percy se afastarem
pela quadra e ouviu os outros garotos gritando palavras que seu cérebro
inundado por endorfinas não conseguia decifrar no momento.
O que mais lhe restava? Além de esperar e se comportar,
aguardando pelo momento em que Percy teria algum tempo para dedicar a ele? Nico
continuou dedilhando as cordas de seu violão e não voltou a levantar a cabeça
por longos minutos. Isso é, até que alguém sentou a seu lado, permanecendo em
silêncio até que ele se deu por vencido e a encarou. Era Annabeth, é claro, com
seus intensos olhos azuis acinzentados e longos cabelos dourados, esbelta e
alta, o olhando de cima, exatamente como Nico se lembrava dela fazer no
passado, o fazendo sentir como se ele fosse um inseto que Annabeth não mataria
por pena.
— Nico, é um prazer te ver de novo. Como vai Bianca?
— Bem. — Foi tudo o que Nico disse. Talvez ela ainda o
intimidasse, talvez ela ainda tivesse o poder de fazê-lo chorar feito um bebê
sem amparo, mas Nico se negava a se rebaixar no nivel dela.
— O que te traz aqui?
E de novo, era como se nada tivesse mudado. Nico ainda
era o mesmo garoto solitário e excluído, o garoto indefeso que qualquer um
podia abusar, abandonado e sem saber o que fazer. Nico estava tão cansado
disso. Ele não daria esse poder para Annabeth ou para esse tipo de pessoa que
quando não tinha algo, tomava a força.
— Não é da sua conta. Isso é dor de cotovelo? Doeu muito
quando ele te chutou?
Annabeth meramente sorriu, o estudando, fingindo que
estava por cima quando ambos sabiam que isso passava longe da verdade.
— Ah, parece que algumas coisas mudaram, então.
— Parece.
— Você sabe que não vai ganhar, não sabe?
— Isso não é um jogo.
— Olha, eu não fui muito legal com você. Por isso, vou
te dar uma chance. Se você se afastar, prometo que não vou ficar no seu
caminho. As coisas são assim…
Que bondoso da parte dela, não? Será que Annabeth sabia
do que aconteceu todos esses anos em que ele esteve no exterior? Como Percy
tinha sido o primeiro a retomar contato menos de uma semana depois dele ir para
a Itália? E que no fim, não tinha nada a ser ganhado ou perdido? Foi por esse
exato motivo que Nico preferiu ficar calado, observando Annabeth jogar o cabelo
platinado para trás enquanto continuava a falar.
— .. você vai se dar muito bem por aqui se seguir esses
conselhos.
— Anne? — Alguém atrás deles a chamou. Era Silena e
Grover, eles estavam vestidos ambos com roupas de líderes de torcida. Grover
com uma calça de lycra e Silena com uma saia, mini-blusa e pompons na mão. —
Drew está te chamando.
— Ela sempre está. — Foi a vez de Annabeth revirar os
olhos e se levantar. — Acho que é isso. Faça um favor para nós dois. Vai ser
melhor assim.
Desse jeito, arrumando a saia e subindo os degraus da
arquibancada, Nico, Grover e Silena observaram Annabeth desfilar para longe,
levando junto com ela a tensão que Nico nem tinha percebido que tinha se
instalado entre eles.
Bem, agora Nico se lembrava de um dos principais motivos
dele ter ido para bem longe dali.
— A gente sente muito. — Grover foi o primeiro a quebrar
o silêncio, se sentando a seu lado.
— Ela não faz de propósito. — Silena se sentou do outro.
— Não é pessoal.
— Nunca é com ela. — Nico murmurou de volta, de repente
se sentindo exausto.
Nico nem sabia porque tentava. Agora, olhando as coisas
bem de perto… talvez devesse ter continuado na Itália. A situação por lá era
caótica, mas pelo menos era gerenciável. Ter que voltar e enfrentar as mesmas
coisas traumáticas pode não ter sido a melhor das ideias.
— Não liga para ela. — Grover disse mais uma vez, os
três observando o time de basquete praticar bem no momento em que Percy fazia
uma cesta e olhava em direção a ele, sorrindo vitorioso.
Talvez, no fim, todo esse drama valesse a pena se a
recompensa fosse o sorriso iluminando o rosto de Percy Jackson.
Capítulo IV
O sinal bateu bem na hora em que Nico bocejou, levando a
mão à boca.
— Você quer ir pra casa? — Percy disse, distraído. Ele
parou de escrever na folha de questões sobre física, parecendo pensar
seriamente sobre alguma coisa antes de voltar a escrever com pressa, sem
desviar a atenção da tarefa.
Nico não estava reclamando pela falta de atenção,
gostava de saber que poderia relaxar enquanto Percy segurava em uma de suas
mãos e continuava a fazer a tarefa por eles. Mas não era como se Nico fosse
sair correndo no caso de Percy não estar lá para impedi-lo, certo? Era quase
engraçado, eles sentados em uma roda de seis ou sete pessoas no chão da
biblioteca enquanto Nico observava Percy fazer todo o trabalho pesado.
Nico queria dizer para Percy que não estava cansado, que
era só o fuso horário e que ainda tinha que se acostumar com a nova rotina.
Mesmo que ele tenha chegado há dois ou três dias, mal tinha conseguido dormir
nas noites anteriores, sem mencionar o clima que era bem mais ameno do que na
Itália. Não era sua culpa se o clima frio o fazia ficar com sono. O problema
era que Percy disse que seriam dez minutos, então esses dez minutos viraram
trinta e agora, uma hora e meia depois, sentado no meio dos colegas de classe,
eles resolviam as questões que o professor tinha entregado, valendo nota.
Talvez se Nico estivesse ajudando Percy com a tarefa, igual os outros estavam
fazendo, trabalhando em pares, eles já teriam terminado, mas como Percy parecia
feliz em escrever sozinho, Nico deixou que Percy se divertisse. Ele observou a
expressão séria e concentrada no rosto do amigo, que enfim levantou o rosto e o
encarou, sorrindo, parecendo apenas naquele momento se lembrar de sua presença.
— Desculpa. Sempre acabo fazendo essas coisas sozinho.
Não tenho paciência para ficar enrolando.
Percy estava certo. As pessoas ao redor estavam
escrevendo, mas elas também conversavam em voz baixa, discretas, porém óbvias.
— Eu prometi. Vamos. — Percy voltou a falar
— Você pode terminar, eu não me importo.
— Mas eu terminei.
Percy estava certo mais uma vez. Nico espiou a folha no
colo de Percy e viu que todas as questões estavam preenchidas com respostas
completas.
— Você quer levar para casa e estudar?
— Não, não precisa.
Se levantando, Percy guardou a folha dentro da bolsa e o
ajudou a se levantar também. Percy o apoiou pelas costas e pegou ambas as suas
bolsas espalhadas pelo chão.
Ninguém pareceu vê-los sair, apenas a bibliotecária que
os cumprimentou na saída e finalmente eles estavam livres; o sol de fim de
tarde ainda brilhava no alto, trazendo um pouco da umidade e do calor que Nico
tanto sentia falta, mesmo que não se comparasse com a visão de sua casa em
Verona, o alto da colina, sendo possível ver o céu claro e límpido enquanto o
sol se escondia no horizonte. A verdade é que nada disso o faria se sentir mais
contente do que aquele momento ao lado de Percy fazia.
Nico deu alguns passos para fora dos corredores largos e
foi em direção ao pátio descoberto, fechou os olhos e deixou que os raios de
sol o esquentassem suavemente. É claro que o motivo para seu contentamento
estava logo a seu lado. Era Percy que segurava em sua mão, a presença
acalentadora e a mão sempre estendida em sua direção, Nico até podia sentir o
olhar atento e afetuoso. Ele nem precisava se virar para saber, Percy estava
ali, a meros palmos de distância, como sempre havia sido.
— O que foi? — Nico teve que perguntar, ainda de olhos
fechados.
— Te mantive em cárcere privado, não foi?
— Não seja ridículo. — Nico quase revirou os olhos de
impaciência, querendo sair logo dali, mas se contentando em passar mais alguns
minutos sobre o calor do sol.
— Não fica bravo comigo.
— Não estou bravo. — Nico quase não deu importância ao
que Percy falava, pois conseguia sentir o tom brincalhão retornando com força.
Porque, no fim, o que Percy queria era atenção. E não seria a primeira vez que
algo assim acontecia.
— Hmm, não. Isso não pode ficar assim.
Nico abriu os olhos e viu que sem perceber, eles já
estavam no estacionamento do colégio. Esse tinha sido seu maior erro, enquanto
ele estava distraído com o céu limpo e o clima agradável, perdeu o momento em
que Percy o encurralou contra a parede do estacionamento e levantou as próprias
mãos e… e as enfiou contra sua barriga e abdômen, começando um ataque de
cócegas. Nico não lembrava da última vez que alguém tinha tido a coragem de
fazer aquilo com ele. De fato, Percy tinha sido o último, dois anos atrás,
antes dele viajar para longe. Naquela época, quando Nico ficava quieto por
muito tempo essa era a tática favorita que Percy tinha para fazê-lo falar ou
reagir; E Nico tinha que admitir, não sentia saudade dessa tortura humilhante,
mas o contato era bem-vindo. Contraditório, não? Parecia que qualquer coisa que
Percy fizesse seria recebido de boa vontade.
— Perseu Jackson! — Nico guinchou e se desenrolou das
mãos de Percy, correndo para longe daqueles longos dedos incansáveis. É claro
que ele não teria paz! Percy veio correndo atrás dele, gargalhando feito um
maníaco e com pernas medindo o dobro das suas, Percy em meros minutos o
alcançou, o segurando pela cintura.
— Ni-coo… — E tudo bem, agora que Nico analisava as
coisas… eles não tinham as brincadeiras mais inocentes, porque a forma que
Percy o segurava apertado, costas contra peito e boca bem perto de seu ouvido…
era exatamente como as coisas costumavam acontecer no passado.
— Eu te perdoo! Te perdoo.
— De verdade? Você não está falando isso para depois se
vingar de mim de formas lentas e cruéis?
— Eu nunca faria isso!
— Mentiroso. — Percy disse na mesma forma doce e
baixinha contra sua pele, parecendo que não iria soltá-lo tão cedo.
— Percy! A gente não é mais
criança!
— Isso é verdade. — Percy voltou a
murmurar e deu uma risadinha seca que fez os cabelos da nuca de Nico se
arrepiarem. Isso é, antes de Percy o virar de frente e se aproximar mais ainda
dele, encostando sua testa contra a dele. E talvez, esse gesto seria algo comum
quando eles estavam longe de olhares curiosos, debaixo das cobertas, nas
milhares de vezes que ele dormia na casa de Percy já que apenas as empregadas e
Bianca estariam o esperando em casa. Quando eles eram pequenos parecia algo
afetuoso e inocente, mas agora… bem… ainda parecia afetuoso. — Você quer
jantar? O restaurante ainda está aberto.
A cabeça de Nico estava girando.
Ele mal conseguia pensar, sentindo o efeito que o corpo de Percy tinha sobre
ele, sobre sua mente, vontades e corpo. Como Percy podia pensar em comida
quando eles estavam tão próximos, respirando o ar do outro? Quando as mãos de
Percy estavam em sua cintura e em seus cabelos, não permitindo que ele
desviasse o olhar? O pior de tudo era a forma que Percy o abraçava, o prendendo
contra a parede, sem permitir sequer um milímetro de distância entre eles.
— Nico… Niccolas… — Por que Percy
tinha que sussurrar seu nome daquele jeito? Por que Percy tinha que tocá-lo
daquele jeito? Tão forte e firme, como se temesse que Nico fosse desaparecer a
qualquer momento? Ele… Nico não sabia se estava pronto.
Tão perto agora… a cabeça de Percy
veio em direção a sua e… e… e Nico deixou o ar sair, fechando os olhos com
força.
— Comida. Comida é uma boa ideia.
Certo? — Nico engoliu em seco por um momento, mas quando Percy não fez nada
além continuar o abraçando, sem se aproximar mais, Nico abriu os olhos, vendo
os olhos verdes e intensos sobre ele, queimando feito labaredas.
— Você está com medo de mim. —
Tinha sido uma afirmação, a luz nos olhos de Percy parecendo sumir junto com
seu sorriso brincalhão.
— Não… eu não… eu só… não estou
pronto?
— É isso mesmo? Ou é outra coisa?
Eu não quero ser uma dessas pessoas…
Nico entendia o que Percy queria
dizer. Percy nunca faria algo para abusar de sua confiança, mesmo que tentasse.
Ele confiava em Percy, era em si mesmo que Nico não confiava. Se Nico já estava
assim em menos de vinte e quatro horas perto de Percy, o que aconteceria se ele
se deixasse levar? Temia que… que a obsessão retornaria ainda mais intensa do
que antes.
— A gente pode ir devagar? — Nico
conseguiu cuspir para fora, se sentindo estremecer.
— É claro. Tudo o que você quiser.
— E Percy parecia falar sério.
Percy o observou por mais alguns
momentos, como se decidisse algo importante e deu um passo para trás, apenas o
suficiente para segurar em sua cintura e o guiar até o carro que estava parado
perto da saída do estacionamento.
Percy abriu a porta para ele, pegou
ambas suas mochilas e as colocou no banco de trás, dando a volta rapidamente
para se sentar a seu lado, parecendo ansioso. Não era aquela ansiedade do tipo
de quem estava bravo ou irritado, era mais… alguém cheio de energia e que não
sabia o que fazer com isso. Restou a Nico relaxar contra o assento do carro e
encostar a cabeça no apoio, quem sabe quando eles chegassem no restaurante a
tensão que ele sentia teria se dissipado.
Capítulo V
— O que você acha?
O restaurante era um lugar bem
aconchegante e acolhedor, a decoração era feita de forma simples e em
confortáveis tons vermelhos, como algo que ele veria na casa de sua avó em
Verona. Nico sentia vontade de se sentar em uma das poltronas perto da
recepção, fazer um chocolate quente e ficar perto da lareira com um cobertor
sobre seus ombros.
— Eu gostei.
— Temos uma reserva. — Percy disse
todo orgulhoso, o guiando para dentro do restaurante. Eram seis horas da tarde
em ponto, o que significava que Percy tinha planejado tudo aquilo, matar tempo
na escola para trazê-lo ali na hora certa.
— O que eu faço com você, hein?
— Que tal dizer “Obrigado, Percy.
Você é tão atencioso”.
— É assim que você dá em cima das pessoas?
— Está funcionando?
Nico suspirou e aceitou a mão que Percy oferecia, o
levando em direção ao maitre. O lugar era específico demais. Provavelmente
outras pessoas da idade deles não gostariam desse restaurante tanto quanto Nico
tinha gostado. O pior era que Nico não odiava nenhum pouco isso, na verdade,
Nico apreciava o esforço que Percy tinha feito para encontrar algo tão… tão a
sua cara, como se tivesse encontrado um pedacinho da Itália apenas para que ele
se sentisse confortável.
— Você não precisava.
— Eu quis que você se sentisse bem-vindo. — Nico não
precisava olhar na direção de Percy para entender o que aquelas palavras
realmente significavam, porque o que Percy realmente queria dizer era “Eu quero
que você se sinta em casa para nunca mais precisar ir embora”.
Nico não sabia desde quando eles
eram tão óbvios. Cada palavra e cada gesto. Era como se eles estivessem
dançando, como se soubessem cada passo e só estavam esperando a música acabar
para enfim… certo. Nico, então, levantou a cabeça e encarou Percy que naquele
momento parecia o homem mais perfeito do mundo, aquele que Nico sempre havia
sonhado em ter; gentil, compreensivo, bonito, bem vestido, tão alto e forte que
Nico sabia que nunca precisaria se preocupar em se defender do resto do mundo.
Mas, Percy sempre tinha sido assim, o perfeito príncipe, atencioso e generoso,
ainda que um pouco rebelde. No fim, realmente era óbvio, não era? Esse era o
motivo de seu problema. Não importava em quem ele procurasse, Nico sempre
acabaria nesse mesmo lugar, buscando por Percy em todos os rostos. Talvez ele
apenas devesse parar de procurar em outros lugares.
— A gente pode ir pra casa, se você
quiser. — Percy disse a ele, agora parando a sua frente. Ele devia estar
fazendo papel de bobo de novo, olhando para Percy sem dizer nada.
— Não, a gente pode comer. — Quando
o sorriso voltou para o rosto de Percy, Nico soube que tinha feito a escolha
certa.
Eles seguiram o maitre pela fila de
mesas até o fundo do salão e subiram um par de escadas, ambos sendo convidados
a entrar em um salão que era mais espaçoso que do andar de baixo, praticamente
vazio. Várias mesas pequenas e redondas se encontravam espalhadas pelo cômodo,
e outras com mais privacidade ao fundo do salão se localizavam perto de grandes
janelas que deixavam a luz do dia entrar, a toalha em fortes tons de vermelho
com velas aromáticas já acessas devido ao cair da noite traziam o perfeito clima
do interior da Itália.
— Espero que os senhores aprovem os
assentos. — Eles acenaram e logo lhes foi oferecido o menu.
A verdade é que Nico não estava
interessado em comida ou na decoração, não era por isso que estavam ali. Ou
era? Pensando bem, Percy sempre fazia o contrário do que ele estava esperando.
Assim, Nico tinha se decidido, deixaria que Percy lhe dissesse o que fazer em
seguida.
— O que você quer comer? — Percy
disse a ele. Suas mãos seguravam o cardápio, mas seus olhos estavam sobre os de
Nico, olhos que pareciam mais verdes do que nunca sobre a luz das velas naquele
restaurante, a penumbra da noite deixando o ambiente ainda mais intimista e
pessoal.
— Não sei, um vinho? Você escolhe.
Percy encarou Nico por um momento,
parecendo refletir sobre a resposta e se aproximou mais um pouco, colocando o
braço sobre o ombro de Nico e desfazendo o resto da distância entre eles.
— Eu queria conversar sobre a
gente.
— Eu sei disso.
— Eu só… preciso saber.
— Eu sei.
— São quase dez anos nisso. Eu
preciso saber.
E Percy estava certo. Eles eram tão
pequenos e inocentes naquela época, e depois… depois eles ainda eram pequenos,
mas não tão inocentes até que… até que Nico surtou e depois Percy surtou e Nico
foi embora sem avisar ninguém. Assim, do nada, e tão do nada quanto Nico tinha
partido, Percy tinha ligado para ele, tão diferente do que Nico conhecia e tão
familiar ao mesmo tempo que o deixou confuso por longos anos. Nico se lembrava
que durante os longos meses teve energia apenas para cumprir suas obrigações e
se apegar a essas ligações diárias até que ele soubesse o que fazer. E ali
estavam eles, praticamente no mesmo lugar, a diferença era que agora eles
entendiam quais seriam as consequências, não importava qual fosse a decisão no
final.
— Eu gosto de você. — Nico se
decidiu pelo mais simples. Admitia que não era a pessoa mais assertiva ou que
sequer fazia boas escolhas, mas disso ele tinha certeza; gostava de Percy, o
amava. E nada poderia mudar esse fato.
— Não foi o que eu perguntei.
— Eu não sei. Sinto sua falta. É o
suficiente?
— Não. — Percy dizia tudo aquilo
tão sério que Nico meio que… queria rir. Talvez ele já estivesse um pouquinho.
Ninguém podia culpá-lo por isso.
— Então, você decide. — Era melhor
assim, Percy sempre fazia as melhores escolhas.
— Nico! Você disse que não estava
pronto!
— Não estou. Nunca vou estar. Não
quero destruir o que a gente tem, sabe? Na verdade, não quero um
relacionamento. Mas...
— Porque você tem que ser tão
indeciso!
— Não é sobre sexo. Essa é a parte
fácil.
— Nico, eu sei disso. O que posso
fazer para você--
— Deuses, Percy! Eu sou o problema,
tá bom? Sou muito instável. Você não quer andar com uma bomba relógio no bolso,
quer?
— Bebê, você pode explodir quando
quiser, contanto que exploda comigo.
Nico gemeu e levou as mãos ao
rosto, isso era ridículo! Ambos sabiam por que ele tinha ido embora e sabiam
perfeitamente por que ele tinha voltado. Nico ainda estava se acostumando com a
ideia de que dessa vez ele não tinha para onde correr quando seus sentimentos
irrompessem por todos os cantos, obrigando Percy a catar os pedaços.
— Será que você pode falar sério
por cinco minutos?
— Eu sei de tudo isso, querido.
Cada coisinha que você acha que consegue esconder de mim.
— Vai ser pior do que antes!
— Você disse que eu podia decidir.
— Sim, mas-- quero ir devagar.
— Então me deixe decidir. Eu só
preciso da sua permissão.
— Permissão para fazer o quê?
Em câmera lenta, Nico observou a
mão que estava em volta de seu ombro viajar para sua nuca, massageando o lugar.
Quando menos percebeu, Percy o puxou suavemente para mais perto, inclinando sua
cabeça até alcançar a posição certa para os lábios de Percy finalmente descerem
contra os seus no beijo mais inocente e doce que ele já tinha provado.
Até a proxima!
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