Capítulo XXVI
Se Nico soubesse, ele nem teria
levantado da cama naquela manhã. De fato, se tivesse o poder, teria voltado no
tempo para o exato momento antes de brigar com Annabeth na festa e feito tudo
diferente, continuaria a mentir para Percy, fingindo que estava tudo bem, mesmo
que no fim do dia, fosse um problema a menos que ele teria que lidar. Sim, ele
era o único culpado por tudo aquilo, por não contar o que acontecia com ele no
momento certo e por não falar o suficiente no momento errado. No fim, Percy
apenas estava fazendo o que ele tinha pedido, mas de um jeito que Nico não
tinha previsto, tomando as rédeas da situação quando ele menos esperava. Um bom
exemplo disso foi naquela manhã, uma segunda-feira como qualquer outra. Ou era
o que ele pensava.
Nico não sabia como não tinha percebido essas coisas antes,
o quanto a solidão tinha desaparecido com a presença de Percy e, em
contrapartida, a reação que ele gerava nas pessoas. Nico tinha voltado há uma
ou duas semanas, mas parecia que os dois anos fora do país nunca tinham
acontecido. As pessoas ainda olhavam para ele e o tratavam da mesma forma, o
preconceito velado e mal escondido para quem quisesse ver. Era a cor de sua
pele? A homofobia? Ou era o fato de Percy voltar a ignorar qualquer pessoa
quando ele estava por perto? Era um peso que Nico não se lembrava de sentir
antes. Não que ele pudesse evitar ou tivesse qualquer inclinação para fazê-lo,
pois naquela manhã Nico tinha acordado do jeito que sempre imaginou ser
impossível, com beijos demorados e caricias que o faziam suspirar. Com abraços
apertados que aqueciam sua alma e o fazia se sentir seguro. É claro que tudo
isso entrou em pausa quando eles tiveram que sair da cama e ir para a escola e
enfrentar o cruel mundo dos adolescentes.
Ele mal percebeu o silêncio em volta deles até que Nico
entrou com Percy na primeira aula do dia. Ele só entendeu o que acontecia
quando viu Annabeth no fundo da sala, envolta de um grupo de pessoas.
— Não liga para ela, sim? — Percy disse e levou a mão de
Nico aos lábios.
Então, tudo fez sentido. Eles estavam de mãos dadas,
desfilando pela escola sem nenhuma preocupação. Nico apostava que Annabeth
estava fazendo seu melhor para espalhar a nova fofoca; o jogador popular estava
transando com o garoto recém-transferido, embora ele tivesse certeza que a
maioria das pessoas se lembrava dele.
Nico não teve muito mais tempo para pensar sobre o que as
pessoas murmuravam. Percy o puxou para o outro lado da sala e se sentou com ele
em uma das carteiras do canto, perfeitamente longe e protegido dos olhares
curiosos. Ele queria poder dizer que não tinha conseguido se concentrar na
aula, quando, na verdade, foi o contrário; os sussurros se tornaram som de
fundo e quando Nico menos viu, mais um dia escolar se encerrava, Nico se vendo
na reflexão da janela do carro, observando a avenida cheia de árvores e lojas,
o comércio agitado naquela hora do dia.
— Tudo bem? — Percy perguntou a seu lado, colocando uma das
mãos sobre sua perna enquanto dirigia em direção à casa deles, quer dizer, em
direção à casa dos Jackson.
— Acho que sim. A gente pode passar na minha casa? Eu queria
pegar minhas malas.
— O que foi? Minhas roupas não são suficientes?
Percy estava brincando, é claro. Ele não poderia continuar
usando as camisas que ficavam escorregando de seus ombros ou suas antigas
roupas, mesmo que elas estivessem muito bem conservadas.
— Per.
— Tudo bem. Eu faço tudo pelo meu bebê. — Percy mostrou a
ele um enorme sorriso, como se ele tivesse contado a melhor piada do mundo e
Nico decidiu ignorar.
Cada vez que ele dizia não ser um bebê, alguma coisa
acontecia mostrando o tanto que Percy estava certo. Ficando calado, Nico
colocou suas mãos por cima da mão de Percy e as segurou, entrelaçando seus
dedos.
— Estamos quase lá. Você quer que eu pegue ou você pega?
Era uma boa pergunta. Nico não queria encontrar Hades dentro
da casa, porém fazia dias que não conversava com Bianca.
— Você entra comigo?
— É claro. Tudo o que você precisar.
Então, depois de alguns minutos, Percy estacionou o caro em
frente a casa e ambos pararam na porta, o porteiro dando passagem para ele
assim que o reconheceu. Nico nem tentou cumprimentar o homem, tudo o que ele
queria era pegar suas coisas o mais rápido possível e falar com Bianca se ela
estivesse em casa. Imagina sua surpresa ao ver o pai na sala de estar, sentado
no sofá enquanto lia o jornal e tomava uma xícara de café.
— Nico, que surpresa. Pensei que você tinha esquecido onde é
sua casa.
— Engraçado. — Nico rebateu. Ele nem se deu o trabalho de
ver a reação do pai, e olhando para a frente, continuou seu caminho escadas
acima. — Eu pensei que eu não tinha um pai.
— Garoto! Volte aqui! Nesse instante!
Claro, como se ele fosse obedecer um completo estranho. Nico
continuou a andar calmamente, e mesmo ouvindo Percy trocar algumas palavras com
Hades, isso não o abalou. Era algo comum entre eles. Logo Percy estava a seu
lado novamente, lhe oferecendo um sorriso e um ombro amigo. Sinceramente? Nico
não se importava. Cada vez se importava menos. Ele já tinha uma família, e não
era um homem irresponsável que o faria se sentir culpado por ignorar alguém que
devia ser o primeiro a apoiá-lo.
Sem fazer muita bagunça, Nico pegou suas malas, seus objetos
pessoais e algumas caixas que haviam chegado somente agora da Itália, e deu uma
volta no quarto, se certificando que tinha pegado tudo.
— É só isso? — Percy perguntou para ele, parecendo triste.
— O resto está em Verona. Eu não sabia quando tempo iria
ficar por aqui.
— O que isso quer dizer?
Nico deu de ombros e verificou debaixo da cama.
— Pensei que você estaria namorando alguém. Se preparando
casar, sabe? Pensei que eu voltaria para terminar o colégio e me desculpar. E
depois… acho que voltar para a Itália para ajudar minha nona.
— Sério? Eu significo tão pouco? — Percy parecia magoado,
mas essa não era a questão.
— Eu não esperava tudo isso.
Nico decidiu encarar Percy quando o silêncio se alongou mais
do que o normal.
— Sempre esqueço o que eu fiz com você.
Não, Nico se negava a entrar nessa discussão mais uma vez.
Ele se negava.
— Quer dizer… — Nico disse, tentando mudar de assunto. —
Você sabia onde eu estava.
— Eu sabia. — Percy concordou. — Eu planejava ir atrás de
você. Depois de me formar.
— Hm. — Nico murmurou sem saber o que dizer. Isso era algo
bom, certo?
— Eu queria dar tempo para você… viver.
— Acho que não entendi.
— Não queria que você vivesse se perguntando o que poderia
ter acontecido sem a minha sombra te rondando. Sei que isso é mais forte do que
nós dois.
Quando Percy falava desse jeito, parecia que eles não tinham
opção, como se fosse algo sem livre arbítrio. Talvez fosse. Porque se Percy
tivesse aparecido em sua porta, ele teria largado tudo e teria dito sim para
qualquer coisa que Percy sugerisse.
— Desculpa, eu não queria falar sobre isso de novo. Vamos,
sim? — Percy disse e beijou seu rosto, tentando sorrir, antes de pegar as malas
e uma das caixas, deixando para ele carregar os itens mais leves.
Eles desceram as escadas e lá estava Hades bloqueando a
passagem. Felizmente, Bianca também estava lá, ela pegou algumas coisas de sua
mão e tentou sorrir para ele, exatamente como Percy tinha feito, tentando o
consolar.
— Nico, precisamos conversar. — Hades disse, ainda
bloqueando a porta de saída.
— Agora você quer conversar? O que você teria para me dizer?
— Precisamos conversar sobre o seu futuro.
— Futuro? Desde que seja longe de você, eu aceito.
— Eu sou seu pai. Você me deve respeito!
— Que respeito?
— Nico, por favor. — Bianca se meteu no meio deles e
implorando com o olhar, continuou a falar: — Você poderia ouvir o que ele tem a
dizer?
— Eu sinto muito. — Ele disse, não se sentindo nenhum pouco
culpado. — Eu não quero saber dos planos dele para mim. É sua responsabilidade
agora.
— Sei que a gente
errou com você e--
— Errou? — Nico balançou a cabeça, se negando a acreditar. —
Eu te amo, Bia. De verdade. Mas não tenho nada a ver com a família Di Angelo.
Ele é seu pai muito mais do que meu. Aproveite.
— Niccolas. Me obedeça nesse instante! — A voz de Hades
retumbou pelo ambiente, profunda e rouca, feito um trovão. Talvez isso tivesse
o aterrorizado alguns anos atrás, agora tudo o que ele sentia era uma profunda
raiva.
— O que você vai fazer? Me bater? Esse não é seu jeito
preferido de lidar com garotos desobedientes?
A cena a seguir se tornou um belo espetáculo aos olhos de
Nico. Bianca ficou pálida feito uma folha em branco, Hades se enfureceu mais
ainda, porém a reação mais interessante foi ver Percy congelar como a mais
perfeita estatua grega. Seria essa mais uma camada de culpa para Percy “tentar
não conversar com ele”?
— Está tudo bem. Vai em frente. — Nico disse quando ninguém
mais se atreveu a dar um pio. — Vê se deixa pelo menos uma marca, assim fica
mais fácil para entregar como prova para as autoridades. O que você acha disso?
— Você não teria coragem.
— Não? Então, tenta a sorte. — E ainda assim, quando Hades
não se moveu para longe da porta, Nico foi forçado a continuar: — Você vai me
forçar ou vai sair da frente?
— Seu--
— Nico, deixa comigo. Eu vou cuidar disso. — Percy disse a
seu lado, o fazendo lembrar que o namorado ainda estava ali. Era estranho.
Geralmente essas coisas aconteciam quando não havia testemunhas.
Era isso!
— Não precisa. Sei que Hades vai tomar a decisão certa, não vai?
Principalmente com duas testemunhas presentes?
Nico, então, se virou para Hades e esperou. Hades podia ser
irresponsável e violento, mas ele não era burro.
Ainda fumegando de raiva, Hades saiu de frente da porta, mas
não sem antes dizer:
— O que você vai fazer? Viver o resto da vida com o dinheiro
dos outros? Mendigando por atenção?
— O que eu faço ou deixo de fazer não é da sua conta. Logo
você não terá qualquer poder sobre mim ou sobre o que pertence a minha mãe.
Diga adeus a sua fortuna, querido papai.
Assim, Nico deu as costas para Hades e saiu porta afora para
nunca mais voltar. Ele faria Hades pagar por tudo o que ele fez e o faria
devolver cada centavo que tinha sido tirado de sua mãe.
***
Nico se sentia sortudo. De verdade.
Eles colocaram suas coisas dentro do carro há tempo de
Bianca dizer que iria telefonar para ele e Percy arrancar com o carro para
longe daquela casa. Agora, por que ele se sentia sortudo? Bem, ele tinha sorte
de Percy esperar até que eles chegassem em casa para abraçá-lo e tentar
consolá-lo. O engraçado é que ele não precisava ser confortado. Dessa vez, tudo
o que Nico queria era bater em alguma coisa para ver se assim a tensão saia de
seus ombros. O que ele fez? Se deixou ser confortado mesmo assim. Deixou que
Percy o abraçasse bem forte, que acariciasse seus cabelos daquela forma que
fazia seus pelos se arrepiarem e deixou que Percy o beijasse longamente.
— Eu não sabia. Eu nunca-- por que você não me disse?
— Eu sabia que você faria alguma coisa idiota.
— Ele te batia! E eu… eu fiz o mesmo!
— Eu não diria isso. Hades nunca foi tão talentoso para me fazer
gozar.
— Nico!
— Desculpa! — Ele acabou rindo, sentindo parte da tensão
deixar seu corpo. — Eu não queria ser mandado para longe por causa dele.
— Eu sinto muito. Você teve que passar por isso também e eu
nunca desconfiei. Tudo faz sentido agora. Você não gostava de ir para a sua
casa ou evitava Hades a todo custo.
— Eu não queria te preocupar.
— Não diga isso. Hades nunca mais vai te ver. Isso é uma
promessa.
— O que você vai fazer?
— Você confia em mim?
Como ele não poderia quando Percy olhava para ele tão sério
e com aqueles olhos verdes intensos?
— Eu confio. Você sabe disso.
— Vou tomar conta de você. E dessa vez, vou me certificar
que essas pessoas paguem pelo o que elas fizeram.
E de novo, Nico pensou em contestar. Mas se Percy queria,
quem era ele para negar? Nico sabia que não devia gostar tanto de ser colocado
num pedestal ou de ser protegido como se fosse de cristal. O problema real era
que ele gostava, amava ver o senso de posse que emanava de Percy. Sequer era um
problema quando ele permitia que acontecesse e até consentia com as ações de
Percy?
Cansado de hesitar, Nico apenas concordou, deixando que
Percy continuasse com os beijos e abraços. A melhor parte foi quando Sally
chegou do trabalho com Grover e Tyson. Ele se aninhou contra o peito de Percy e
se permitiu apreciar o momento, vendo a reação da família Jackson. Bem, vendo a
reação da sua família, porque eram eles quem haviam oferecido um lar para ele,
os vendo ir de surpresos para furiosos em menos de dois minutos. Era algo que
acalentava sua alma e afagava seu senso de vingança. Por que tentar lutar
contra sua natureza quando ele podia ter tudo o que queria? No fim, Nico ouviu
muitos “sinto muito” e “a gente vai cuidar de tudo”, finalizando com “você está
seguro com a gente”.
Nico também sabia que eles não estavam dizendo aquilo apenas
para confortá-lo, mas ver o rosto deles cheio de afeto e senso de justiça fazia
algo dentro dele se acalmar, uma satisfação enorme borbulhando para fora dele
em forma de um sorriso. Isso não devia ser muito comum, certo? Começar a rir
quando eles mostravam tanta preocupação? A verdade é que Nico já se sentia
vingado apenas pelo fato de alguém saber o tipo de pessoa que Hades Di Angelo
realmente era.
— Obrigado. — Ele acabou dizendo quando a família o abraçou
em conjunto, Sally quase chorando enquanto Grover e Tyson tinham uma expressão
séria e neutra no rosto, o fazendo se lembrar quando Percy estava tentando se
controlar para não destruir o que visse pelo caminho; Percy podia ser o
integrante da família que mais mostrava suas emoções, mas por trás do rosto
inocente e bondoso era Tyson quem agia primeiro.
Capítulo XXVII
— Obrigado. — Nico acabou dizendo quando a família Jackson o
abraçou em conjunto, Sally quase chorando enquanto Grover e Tyson tinham uma
expressão séria e neutra no rosto, o fazendo se lembrar quando Percy estava
tentando se controlar para não destruir o que visse pelo caminho.
Ele também gostava disso, sabendo que poderia contar com a
família inteira. E já que ele estava sendo sincero, por que não continuar?
— Sabe? Eu não via Hades há anos. Será que é necessário
tanto trabalho por causa dele? Eu estava pensando em algo mais eficaz.
— O que você precisar, querido. — Dessa vez, foi Sally quem
disse, se já se recompondo; a mãe dando espaço para a mulher de negócios.
— Eu estava pensando em emancipação. — Quando ninguém disse
nada, Nico preferiu fechar os olhos e continuar falando. — Hades tem o controle
das posses da minha mãe e como filho único, eu só teria acesso a isso com vinte
e um anos. Se eu apressar esse processo, posso tentar recuperar o que é meu
antes que Hades destrua tudo.
— Não entendo, Hades não pode mexer nesse dinheiro sem a
permissão da justiça. — Tyson disse, confuso.
— Esse é o problema. Minha mãe tinha ações e outros ativos
que Hades tem acesso. Grande parte do que ele tem vem da minha mãe.
— Você está nos dizendo que quem era rica era sua mãe e não
Hades? — Agora era Percy quem parecia inconformado.
— Hades costumava ser um gerente de banco. Mama se apaixonou
por ele e eu nasci. Na verdade, Bianca é minha meia irmã. Meu avô é um grande
fazendeiro, sabe? Mamãe costumava ajudá-lo antes de Hades aparecer.
— Nossa. — Grover murmurou. — Seu pai é um filho da puta.
— Ele é. Eu não me sentia seguro em contar isso para
ninguém, mas agora que ele não pode me machucar é o momento de recuperar tudo o
que ele tirou de mim.
— Nós vamos ajudar. Tyson vai começar os preparativos.
— Será que a gente pode pegar ele de surpresa? Tentar
recuperar a herança da minha mãe e fazer a emancipação juntos? Eu não quero dar
tempo para ele revidar.
— É claro. É uma ótima ideia. — Tyson disse com um estranho
brilho no olhar. — Ele nem vai perceber quando a gente pegar ele. Eu prometo.
— Tudo bem. Eu confio em você. Se a emancipação não der
certo, vocês podem ser meus guardiões? Nunca mais quero voltar para aquela
casa.
— Você tem nossa palavra. — Sally tocou em seu ombro,
sorrindo para ele com lágrimas nos olhos. — Vamos destruir esse homem, nem que
seja à força.
— Vocês não precisam prometer. Eu só… não quero ficar sob o
controle dele. Não sei o que pode acontecer.
— Bianca está bem morando com ele?
— Ele nunca tratou Bianca como me trata.
— Oh, querido. — Sally disse e o abraçou forte, ainda com
Percy o segurando pela cintura.
Ele se negava a chorar, se negava a dar a Hades esse
gostinho, se negava a continuar sob o controle daquele homem. Enquanto ele
estava em Verona com seus avós, primos e tios, Hades não teve a coragem de se
aproximar. Mas agora que nenhum outro adulto era responsável por ele, Hades
pensava que poderia mandar nele. Bem, Nico iria provar para aquele homem e
devolver um gostinho do que Hades havia feito com ele.
— Eu estou bem. Tudo isso ficou no passado. Eu só quero o
que é meu.
— Nós sabemos. — Percy finalmente disse, saindo de seu
estupor. — Eu vou cuidar de você.
Nico sabia disso, Percy estava dizendo essas palavras com
tanta frequência que ele estava começando a acreditar. Talvez eles realmente
tivessem uma chance de se casar no futuro e construir uma família somente
deles, longe de toda essa confusão e dor. Talvez se ele se comportasse e
fizesse tudo do jeito certo, ele se libertaria desse pesadelo, dessas pessoas
que pareciam decididas a torturá-lo.
***
Depois disso as coisas pareceram se acalmar, porém, de uma
forma delicada.
Ele disse que deveria ter ficado calado desde o início, não
disse? Nico não entendia exatamente o que estava acontecendo, mas suspeitava de
algo. Percy estava se distanciando dele, como se estivesse afrouxando a guia de
sua coleira para ver até onde ele iria sem supervisão. Ou talvez, fosse apenas
o que ele sentia. Talvez Percy estivesse dando um espaço para ele, um tempo
para Nico entender o que acontecia e dar o próximo passo. Onde Percy estava de
seu lado em todos os momentos do dia, agora outra pessoa o substituiria sem ele
nem perceber. Era estranho, nas poucas vezes que ele se pegava sozinho e
conseguia pensar, o efeito do que Percy queria se tornava o contrário. Esse
tempo sozinho o fazia pensar na vida e nas possibilidades que o futuro guardava
para ele. Isso o assustava, a incerteza, vendo que teria que tomar as rédeas da
própria vida se quisesse viver confortavelmente, quando, na realidade, tudo o
que ele desejava era que alguém viesse e lhe dissesse qual era o caminho certo
a tomar.
Aquela tarde não seria diferente, o fazendo se perder na
sucessão dos dias, dias agradáveis e com pessoas que se importavam, mas sem o
prazer que Nico tinha se acostumado a receber. Será que alguns dias era o
suficiente para Percy se convencer? Será que ele estava se comportando como era
esperado dele?
Nico estava tão cansado que apenas se levantou da cama e
saiu andando pela casa. Ele encontrou Sally na cozinha e negou o convite para
cozinhar com ela. Encontrou Tyson na sala de estudos que se ofereceu para
atualizá-lo sobre o caso de Hades, e mais uma vez negou, passando por Grover
que estava na sala de estar, indo direto para a área externa da casa, o único
lugar que Percy poderia estar.
Lá Nico o encontrou, vendo Percy nadar em velocidade rápida
na piscina, para cima e para baixo, incessante e frenético, Nico tendo a
impressão de que Percy estava tentando se castigar e por algo que ele nunca
seria o culpado. Quando Nico finalmente
se aproximou o suficiente para ver melhor a figura de Percy, ele permaneceu em
silêncio, se perguntando se era uma boa ideia quebrar a rotina auto-imposta por
Percy. E se esse fosse o futuro deles e Nico apenas estivesse atrasando e
lutando contra o que não tinha jeito? Se vendo em um beco sem saída, Nico se
sentou em uma das espreguiçadeiras e continuou observando Percy nadar
furiosamente, parecendo que tentava descontar toda sua frustração na água.
Agora, não faltava muito. Se Nico ainda estivesse seguindo o
script deles, em poucos minutos Percy sairia da piscina e iria em busca dele.
Percy o abraçaria e sorriria para ele, sendo todo carinhoso e eles passariam o
resto da tarde e parte da noite fazendo qualquer coisa que não fosse o que eles
queriam estar fazendo. Ele estava tão cansado de tudo isso que nem se
surpreendeu quando Percy saiu da piscina como se alguém o estivesse
perseguindo, quase passando direto por ele.
Nico sentia vontade de rir, isso era tão ridículo; Percy era
ridículo e ele também era ridículo. O que eles estavam esperando? O trauma e
tristeza desaparecer para que eles pudessem continuar com a vida deles? Que
talvez com tempo e paciência Nico seria uma pessoa normal e equilibrada
mentalmente? O mais engraçado foi ver Percy voltando de ré e parando ao lado de
sua cadeira, sorrindo encabulado para ele. E o que Nico fez? Ele sorriu de
volta, era a única coisa racional a se fazer em uma situação que não fazia
nenhum sentido algum.
— Ei, lindo. O que você faz aqui sozinho? — Percy perguntou
e se agachou, ficando em sua altura e o encarando bem de perto.
— Senti sua falta.
— É?
— Eu queria saber onde você estava.
— Eu estou aqui, como sempre.
Nico queria dizer que era uma mentira. Percy podia estar
ali, mas não estava do seu lado.
— O que está acontecendo com a gente? — Ele perguntou, se
sentindo mais cansado a cada momento que se passava.
— Não está acontecendo nada. — Percy disse e sorriu para
ele, o tocando suavemente no rosto. E esse era o problema, nada acontecia e ele
precisava que algo acontecesse imediatamente, ou ele iria enlouquecer por
completo.
Nico quase se deixou levar pela carícia platônica, quase
deixou que o sorriso calmo de Percy o enganasse.
— Eu… eu fiz algo errado?
— Isso nunca seria possível.
— Você não gosta mais de mim?
— Nico. — Percy disse na voz mais calma que ele já tinha
ouvido. — Acho que a gente devia desacelerar.
— Mais do que isso?
— Eu… — Então a máscara de tranquilidade no rosto de Percy
se quebrou. — Eu abusei de você. Eu nunca perguntei por que você não falava com
seu pai. Nunca questionei por que você chorava e tremia quando pensava que
ninguém estava vendo. Eu preciso de espaço. Pensei que seria bom para você
também.
— Eu não preciso de espaço. Eu preciso de você.
Nico não hesitou, ele se jogou no colo de Percy e o abraçou
bem apertado, sentindo um nó na garganta se formar.
— Nico. Eu… eu me sinto culpado. Eu sou apenas mais um que
quer abusar de você. — O importante era que Percy o abraçou de volta, bem
apertado, o segurando pela nuca e sussurrando em seu ouvido. — Eu quero te ver
aos meus pés e quero te ver obedecendo tudo o que eu mandar. Quero que você
olhe só para mim e pense só em mim. Você acha que isso é diferente do que Hades
estava fazendo com você?
— Eu não me importo. — Pronto, ele tinha dito. — Eu quero
fazer tudo isso por você.
— Nico, por favor.
— Eu estou cansado. Por que eu não posso ter o que eu quero?
Por que é tão errado estar sob o controle de outra pessoa?
Ele ouviu Percy gemer e antes que pudesse reagir, Percy o
puxou pelos cabelos e o fez encará-lo, seus olhos verdes em chamas, como se
Percy estivesse prestes a devorá-lo ali mesmo.
— Você vai me matar. Você sabe disso? Eu estou tentando
cuidar de você. Estou fazendo o que é melhor para você.
— Eu não quero o melhor, eu só quero não me sentir tão
miserável o tempo todo. Você pode fazer a dor passar?
Percy olhou por um longo momento para ele, parecendo que
iria desmoronar a qualquer instante, mas finalmente sua vontade foi atendida;
Percy encostou os lábios dele contra os seus e ficou assim por alguns momentos,
o permitindo sentir o calor e o toque que ele tanto tinha sentido falta. E de
repente, era o suficiente para Nico. Não era o sexo que ele sentia falta, era o
calor do corpo de Percy sobre o dele, o afeto, o toque atencioso, o liberar da
tensão, a conexão que ele não havia encontrado em nenhum outro lugar.
Infelizmente, o momento foi quebrado algum tempo depois. As
mãos de Percy continuaram sobre sua pele e ele ainda estava sentado no colo de
Percy, eles ainda se encaravam como se o outro fosse sumir se eles desviassem a
atenção.
— Eu nunca quis que você se sentisse assim. — Percy enfim
disse, engolindo em seco. — Eu me sinto um monstro. Eu vou-- eu vou superar
isso, eu só preciso de um tempo.
— A gente precisa ficar longe? Eu não quero aprender sobre
advocacia com Tyson ou sobre esportes com Grover, eu nem mesmo quero aprender
novas receitas com Sally. Prometo que não vou te incomodar.
— Como você pode fazer isso comigo? — Foi tudo o que Percy
disse antes de enfiar o rosto em seu pescoço e Nico sentir lágrimas atingirem
sua pele, os braços de Percy se apertando ao redor de sua cintura.
— Oh.
Talvez não tenha sido uma boa ideia encurralar Percy no
final das contas. Nico se convenceu disso quando ouviu o primeiro soluço. Por
que tudo o que ele fazia dava errado? Com o peito apertado, Nico puxou Percy
para cima e deitou com ele na espreguiçadeira. Ele obedeceria aos desejos de
Percy e daria o espaço que ele precisava.
Capítulo XXVIII
Percy sentia que tinha voltado
no tempo. Se lembrava como se fosse ontem, os longos dias tortuosos e os
sussurros por onde quer que ele fosse; a vontade de sumir também estava ali, a
desconexão com a realidade, como se ninguém fosse capaz de quebrar sua bolha de
autoflagelo e depressão, sentindo o vazio que o atingia quando ele menos
esperava; o sentimento de inadequação lhe dizendo que ele sempre seria aquele
garoto solitário e violento que não merecia o que tinha ou o amor alheio. No
fim, não importava o quanto ele se sentisse distante da realidade e
despreparado para lidar com a vida, o tempo não esperava por ninguém. Quando
Percy piscou, eles já estavam no fim do primeiro bimestre do ano, o que o
levava a aquele exato momento, mal conseguindo se focar no que estava bem em
frente a seu rosto. Um teste surpresa, um pedaço de papel que lhe diria se ele
tinha chances de passar nas primeiras avaliações ou não.
— Per? — Nico sussurrou do seu lado, ainda escrevendo. —
Você não estudou nada, estudou?
Alguém poderia culpá-lo? A culpa ainda o comia por dentro, o
paralisando, lutando contra a ânsia de fazer exatamente o contrário do que sua
consciência lhe pedia. Nico ficar perto dele vinte e quatro horas por dia não
estava ajudando, o fazendo querer quebrar aquela bolha de angústia e ao mesmo
tempo, tentado a ficar exatamente onde estava apenas para não ter que tomar
alguma decisão. Percy ainda acordava no meio da noite tenso e sem se lembrar o
porquê, sendo forçado a sair da cama para se acalmar ou tomar um ar fresco no
rosto. Porque ele tinha que--
— Não se preocupe, a gente vai dar um jeito nisso. — Nico
tocou em seu ombro e mostrou a ele um dos sorrisos mais doces que ele já tinha
visto, o fazendo relaxar imediatamente, sentindo que havia uma luz no fim do
túnel. Ele observou Nico pegar ambas as suas folhas de respostas, andar até o
professor e as entregar a ele, que sorriu todo charmoso para Nico.
Não, ele não iria por esse caminho. Era por isso que Percy
tinha se metido nesses problemas. Estava comprometido, ele seria uma pessoa
melhor nem que morresse tentando. Por isso, Percy guardou suas coisas na bolsa
e respirou fundo, contando até trinta.
1… 2… 3… 4… 5… 6… 7--
— Vamos?
Percy olhou para cima e ali estava Nico, doce e sorridente,
estendendo as mãos para ele. O medo de preocupar Nico era a única coisa o
mantendo de pé no momento, se alguém lhe desse um peteleco Percy desmoronaria
imediatamente; ele não conseguia aceitar o fato que… que no fim ele era o
monstro que as pessoas o acusavam de ser. Se sentindo no automático, Percy
pegou suas bolsas e segurou na mão que Nico oferecia, mal percebendo a
expressão decepcionada no rosto do professor.
Geralmente Percy gostava dessa aula e não precisaria de
muito para tirar uma nota alta, mas o que ele podia fazer se sua obsessão
estava bem a seu lado, querendo sua atenção? O ruim era saber que ele se
afundaria nessa obsessão se o mundo ao redor deles não estivesse pronto para
lembrá-lo do equívoco que isso seria. Às vezes, Percy se perguntava se o que
sentia era amor ou era apenas co-dependência, uma muleta para ajudá-lo a lidar
com os problemas e traumas que nem o melhor psiquiatra poderia remediar.
— Tá tudo bem? Você precisa de um tempo?
Eles tinham se tornado mestres em criar barreiras que antes
não estavam lá, barreiras inúteis e cruéis que só serviam para machucar a
ambos. Se Percy fosse sincero, diria que era exatamente o que precisava, embora
isso não faria nada melhorar. A saudade só aumentaria, a dor no peito se
alastrava e esse sentimento ruim em seu estômago tomava mais força, o fazendo
agir impulsivamente. O treino de basquete seria uma boa desculpa para esse
tempo se o treinador não o tivesse proibido de praticar até que ele conseguisse
se concentrar no jogo.
— Você quer vir comigo pra prática de banda? Nós vamos tocar
no baile.
Delicadamente, Nico segurou em seu braço com as duas mãos e
beijou seu rosto, o fazendo esquecer de sua angústia interior por um momento e
aquecendo o vazio em seu corpo. — Vamos, vai ser legal. Você pode participar se
quiser.
— Eu não trouxe meu violão.
— O professor pode emprestar.
— Eu não sei… — Afinal, tinha um motivo dele não participar
da prática em grupo.
— Andei pensando no que você disse… que eu não tenho muitos
interesses. Você estava certo.
— Eu estava? — Era bom saber que tinha feito algo de bom.
— Em Verona, eu saia com meus amigos, desenhava, tocava e
cantava, escrevia e cozinhava todos os dias com minha nona e meus primos. Eu
só… sinto que não preciso fazer todas essas coisas quando estou com você. Agora
eu entendo o problema nisso.
Bem, esse era exatamente o problema. Eles eram um casal de
obsessivos, compulsivos e obcecados um pelo outro. Era difícil enxergar o resto
do mundo quando a pessoa que ele mais amava estava tão perto, mas que por esse
motivo era tão errado querer essas coisas. Suas vontades se tornavam tão
intensas que tudo acabava ficando um tanto tóxico. Percy queria dizer tudo isso
para Nico, mas se dissesse, iria incentivá-lo a permanecer junto com ele nessa
bolha intensa e traumática que eles tinham criado.
— Que bom que você entende.
— Exatamente por isso, quero te mostrar uma coisa. Vem
comigo?
Ele faria tudo o que Nico pedisse.
Felizmente, Nico era bondoso demais para exigir algo dele,
ou esse era o caso geralmente. Então, quando Nico pedia, Percy ficaria feliz em
conceder. Ele segurou mais uma vez na mão de Nico e eles foram em direção ao
departamento de música, deixando que Nico o guiasse pela primeira vez na vida.
Talvez fosse uma boa mudança para eles.
***
— Nico, onde você esteve esses dias? A gente não conseguiu
te encontrar em lugar nenhum!
Percy agora se lembrava porque não gostava de vir nas
práticas de banda. Porque, quem tinha se levantado e corrido em direção a eles
era Lou Ellen, a defensora mais fervorosa dos indefesos e oprimidos, e de
acordo com ela, Percy era um daqueles que oprimia outras pessoas.
Lou parou na frente deles e cruzou os braços, o olhando de
cima a baixo. Percy escolheu fingir que não tinha visto, essa era mais uma
integrante do seu ex-fan clube.
Percy pode ou não ter se envolvido com ela, ele pode ou não
ter a usado e depois jogado fora. Não era sua culpa se as pessoas colocavam
expectativas nele quando Percy não havia prometido nada, nem amor ou sequer
amizade. No fim, as pessoas acreditavam no que elas queriam, mas não seria ele quem
afagaria o ego delas.
— Já entendi. Por que você trouxe esse psicopata aqui? — Ela
murmurou, como se tivesse comido algo azedo, e se virou para Nico. — Nico! A
gente está atrasado. Você conseguiu a música?
— Melhor ainda, eu escrevi uma. — Nico, como o anjo que ele
era, ignorou o que ela tinha dito e segurou firme em sua mão; Nico sabia muito
bem o que Percy realmente gostaria de estar fazendo.
Imediatamente, o rosto de Lou Ellen se transformou em um
piscar de olhos, de carrancuda para esfuziante.
— Perfeito! Você vai mostrar pra gente?
Lou não havia dado tempo para Nico responder, ela o puxou e
Percy não teve alternativa senão os seguir para dentro do auditório de música
onde menos de dez adolescentes os esperavam. Ele se lembrava em algum ponto do
passado estar entre eles, ele devia ter o quê? Doze anos? Mas como a música
sempre tinha sido algo que Nico gostava, Percy preferiu se concentrar em outras
coisas, como esportes, algo que poderia lhe dar um futuro mais promissor.
Percy não disse nada e nem cumprimentou ninguém, ele seguiu
Nico até o centro do palanque e observou de longe. Nico pegou um violão que a
escola disponibilizava e se sentou no chão, onde as outras pessoas se
aproximaram e sentaram em volta de Nico, olhando para ele com admiração e algo
a mais que ele preferia não questionar. Sinceramente? Percy não poderia
culpá-los, Nico ficava ainda mais bonito com um violão no colo e aquele olhar
de contemplação enquanto dedilhava algumas notas nas cordas do violão, sua voz
doce e aveludada vindo logo a seguir, ecoando pelo ambiente, palavras e notas
que Percy não reconhecia, mas que também não se esforçava para prestar atenção
em seus significados, preferindo deixar que a música o rodeasse feito uma doce
carícia que insistia em ir embora apenas para deixá-lo pulsando e querendo
mais.
Ele não resistiu, colocou suas bolsas em um canto da sala e
se aproximou de Nico, sentando diretamente a seu lado e colocando uma de suas
mãos nas costas de Nico.
Nico meramente virou o rosto em sua direção e continuou
cantando, talvez em um tom um pouco mais baixo, um pouco mais íntimo, como se
aquelas palavras fossem destinadas para ele e a ninguém mais. Nico sorriu,
tranquilo, e enfim quando a canção chegou a seu final, o som do violão ecoou
por mais alguns momentos, o fazendo acordar com seu final.
Olhando somente para ele, Nico perguntou numa voz baixinha:
— Você gostou?
— Ficou muito bom. — Porque era verdade. Mesmo que ele não
tenha prestado atenção nas palavras, a música por si mesma falava o suficiente.
— Como ela se chama?
— Não há lugar como o lar.
As pessoas ao redor aplaudiram, roubando a atenção de Nico
que agradeceu, fazendo algo dentro de Percy se enfurecer. Quem elas pensavam
que eram!?
— Nico, a gente gravou. Tudo bem? — Lou disse de algum lugar
na plateia. — Ficou perfeito. Posso compartilhar com os outros?
— Eu… já coloquei online? Posso colocar no grupo? — Nico
disse incerto. Claro, Percy pensou, como se eles fossem negar quando as pessoas
por ali pareciam adorá-lo.
— Isso é ótimo. — Lou disse de novo, animada.
— Excelente, Nico. Obrigada por compartilhar conosco algo
tão pessoal. Podemos usá-la para um exercício? — Euterpe, a professora de
música, o parabenizou. Quando Nico acenou, ela continuou. — Para a próxima aula
quero que vocês criem um arranjo para a banda. Regravem a música e também
tragam sugestões de outras canções para apresentarmos no baile.
Com isso o auditório explodiu em atividade, as pessoas se
organizaram em dois ou três grupos enquanto os dois continuaram onde estavam,
inclinados um na direção do outro, ainda com Nico segurando o violão e com
Percy segurando na cintura de Nico.
— Você quer tocar?
Percy aceitou o instrumento quando Nico ofereceu para ele,
embora ele tenha hesitado por um momento. Fazia um tempo que não segurava em um
violão, tempo o suficiente para quase o fazer esquecer como posicionar os
dedos. Mas é como dizem, tem coisas na vida que a gente nunca se esquece e foi
isso o que aconteceu quando a primeira nota soou, limpa e firme em seus dedos,
os exercícios de dedilhado voltando com tudo, o fazendo lembrar das longas
horas nesse mesmo auditório, uma das poucas coisas que o manteve em contato com
a realidade quando Nico tinha ido embora. Uma das milhares de muletas que ele
carregava pela vida, mas que o mantinham em pé.
Percy se concentrou por um momento e se deixou levar,
abaixou a cabeça e se permitiu relembrar, sentiu seus dedos voarem pelas cordas
e permitiu que uma estranha calmaria o tomasse. E por longos minutos foi tudo o
que ele escutou, sua respiração e a sequência de notas rápidas, isso é, até que
sua sequência chegou ao fim e ele se viu abraçado por Nico.
— Isso foi muito bonito. Por que você não me disse que podia
tocar desse jeito? — Nico disse calmamente, não como se exigisse algo e sim
como se tivesse ganhado um presente valioso.
— Eu estava ocupado com o basquete. E com o drama
adolescente.
Bem, Percy nunca foi muito bom com piadas. Então, ele não se
surpreendeu com a atitude de Nico que apenas beijou seu rosto e encostou a
cabeça em seu ombro.
— Toca mais. Todos gostaram.
Todos?
Percy olhou ao redor do auditório e viu que as pessoas de
fato estavam o observando em silêncio sem o usual escárnio. E ele podia jurar
que tinha mais pessoas na sala do que antes.
— O que você quer escutar?
— Uma balada romântica.
Foi o que ele fez, as notas saindo mais lentas e simples.
Imagine sua surpresa ao ouvir as pessoas cantando com Nico, batendo palmas e se
balançando.
Bem, o que ele podia fazer? Talvez nem tudo precisasse ser
afogado em drama e angústia.
***
— Desculpa. — Percy disse, admitindo a derrota. Às vezes,
ele se esquecia que Nico não podia adivinhar o que ele pensava e que se ele
quisesse que o relacionamento deles funcionasse como deveria, Nico não era o
único que precisava ser sincero.
— Você não fez nada errado.
Tinham se passado alguns dias, mas aquele momento na sala de
música tinha ficado em sua mente. Percy sabia que tinha a tendência de se
perder em seus próprios pensamentos, imaginando que o mundo inteiro estava
contra ele, quando na verdade, ninguém se importava, fofocas eram passageiras,
coisas que não teriam efeito algum em sua vida e que nem todos tinham algo ruim
para falar dele. Nico era o lembrete disso, que ele ainda tinha uma família,
amigos e alguém que estaria do seu lado incondicionalmente.
Para retribuir todo o esforço que Nico estava fazendo, Percy
tinha se sentado ao lado de Nico no sofá de casa e o abraçado bem forte, o
puxando para seu colo. Ele o beijou também, mas não os selinhos inocentes que
eles tinham se acostumado nas últimas semanas, e sim bocas abertas e línguas se
entrelaçando, ouvindo Nico gemer, estatelado e surpreso entre seus braços.
— O que foi isso? — Nico arfou, ainda em seu colo, se
segurando em seu pescoço.
— Obrigado por ser paciente.
Nico piscou lentamente para ele, suas maçãs do rosto
coradas, respiração rápida, um volume óbvio em suas calças. Percy sabia que
esse era Nico tentando raciocinar no meio da excitação que de forma repentina
invadia seu cérebro.
— Você sabe que eu te amo, não sabe?
— Eu sei. — Percy disse, se sentindo verdadeiramente
contente.
— O sexo… ele não é importante. Você é o meu melhor amigo,
meu companheiro.
— Nico.
— Eu poderia ficar sem sexo pelo resto da vida, mas eu nunca
quero ficar sem você. Eu posso esperar.
— Eu sinto muito. — E Percy realmente sentia, principalmente
vendo a frustração no rosto angelical de Nico, vendo que Nico estava pronto
para implorar com o menor sinal positivo.
A verdade é que o celibato não era para ele. Era uma tortura
a cada dia que ele não tocava em Nico, tinha medo que se permitisse fazer o que
queria, voltaria aos mesmo hábitos ruins. Embora ele venha se questionando se
tudo aquilo era errado ou se estava tudo dentro de sua cabeça devido a culpa de
não ter prestado mais atenção no que acontecia com Nico.
— Chega. Eu não quero te ver assim. Não quero ouvir que você
sente muito e que vai mudar. Eu não quero que você mude, quer dizer… você não
precisa fazer todas essas coisas por causa de mim.
Nico estava quase fazendo um biquinho zangado, era lindo de
se observar enquanto Nico tentava transmitir seriedade. Nico continuava
tentando com tanto esforço ter certeza que ele estava bem que Percy sentia
vontade de fazer alguma loucura; podia ser qualquer coisa. O que ele realmente
tinha vontade de fazer era jogar Nico na cama e fazê-lo esquecer a preocupação
estampada em seu rosto. Talvez ele devesse? Só para ver se conseguia se
controlar?
— Eu entendo. Não vou me desculpar de novo.
— Não vai? — Nico inclinou a cabeça para o lado, feito um
cachorinho confuso, e isso fez Percy sorrir. Ele segurou Nico pelos cabelos e o
beijou mais uma vez, sentindo Nico derreter contra seu peito.
— Você merece uma recompensa. Sabe por quê?
— Por quê? — Nico gemeu, se remexendo em seu colo.
— Porque bons garotos merecem o melhor.
— Eu sou…? Um bom garoto?
— O melhor.
Percy sentia como se estivesse numa degustação do seu
restaurante favorito. Ele olhou um momento para o rosto em fogo de Nico e se
permitiu finalmente fazer o que queria. Lentamente, para ver o que Nico iria
fazer, ele tirou sua mão da cintura de Nico e a levou para a virilha do garoto,
o tocando delicadamente por cima da calça jeans. Feito uma flor, Nico afastou
as pernas e tirou as mãos do caminho, levantando os olhos para onde as mãos de
Percy estavam indo, gemendo suavemente quando Percy finalmente cobriu seu
membro por cima da roupa.
— Tudo bem se eu fizer isso? — Percy perguntou, parando seus
movimentos.
— Sim, por favor. — E em seguida, como um pensamento
atrasado, Nico disse: — Obrigado!
— Hmm, bom garoto.
Então, como ele havia prometido, abriu o botão das calças de
Nico e abaixou o ziper, vendo o pequeno volume sobre a cueca. Ainda mais
devagar ainda, Percy massageou o membro por alguns momentos e o puxou para fora.
Ele não podia negar, Nico era lindo em todos os lugares; a pele morena, a voz
doce, o corpo macio. Ali embaixo ele também era tudo isso, o membro que cabia
em sua mão, a cabeça avermelhada e molhada bem na pontinha, os pelos ralos e
bem aparados na base. Percy sentia vontade de devorá-lo e só parar quando Nico
virasse uma possa de prazer sobre suas mãos, rendido a seus pés.
Mas, hoje não, hoje ele levaria tudo o mais calmamente que pudesse.
— Por favor! — Nico choramingou, lágrimas surgindo em seus
olhos.
Percy fechou os olhos por um momento e se concentrou em sua
respiração. Era aquela sensação pesada no fundo de seu estômago que o tomava
novamente, aquela voz possessiva e controladora lhe dizendo que se Nico era seu
e estava se oferecendo assim para ele, Percy poderia fazer o que bem
entendesse.
— Está tudo bem, querido. — Percy murmurou, mal reconhecendo
a própria voz, ouvindo Nico gemer. Ele hesitou apenas um momento para prestar
atenção na reação de Nico.
Ah, seu doce Nico. Ele o encarava com olhos dilatados,
implorando, demonstrando tanta confiança nele que Percy teve que se mexer. A
mão que estava perto da virilha de Nico enfim encontrou seu caminho e envolveu
o membro pulsante. Ele quase tinha esquecido a sensação de tocar em um lugar
tão íntimo de outra pessoa. Percy testou as águas segurando em volta de Nico e
depois roçou um de seus dedos na pontinha, recolhendo o pre-gozo e o trazendo
para baixo, dedilhando a extensão para voltar a envolvê-lo por completo,
aplicando um pouco de pressão.
— Assim? — Ele perguntou.
Bem, Nico não o respondeu exatamente, mas a forma que Nico
estava apoiado contra seu peito, gemendo sem pudor, deveria ser um bom indício.
De repente, Percy se sentia curioso. Depois de tanto tempo
sentia que tinha esquecido a forma do corpo de Nico. Ele usou sua outra mão e
envolveu o baixo ventre de Nico, acariciando sua barriga. Subiu mais um pouco e
encontrou seu abdômen, suas costelas e peito, tocando nos mamilos duros, onde
ele se demorou por alguns instantes.
— Percy! — Ele ouviu Nico choramingar, se roçando contra
ele.
— Eu sei. Estou te torturando.
Mantendo Nico preso contra seu peito, costas contra ombros,
Percy continuou sua exploração, indo para baixo e voltando a massagear entre as
pernas de Nico.
— Será que você podia… mais para baixo? — Então, Nico
murmurou, todo dócil e obediente.
— Aqui? — Seus dedos curiosos fizeram o que Nico pediu,
passando pelos testículos e encontrando a entrada de Nico. Um leve toque lhe
disse o que Nico queria.
— Você anda se divertindo sem mim, hmm?
— Eu não sabia se… quando… ah…
Bem, ele ainda estava curioso. Devagar, Percy roçou um de
seus dedos ao redor da entrada e logo Nico se abriu feito uma flor. E mesmo a
seco, seu dedo entrou, quase sem resistência, indo até o final. Percy podia
apostar que enquanto ele tentava dar um tempo para Nico pensar, Nico estava se
divertindo sem ele.
— É isso o que você fazia quando eu não estava olhando?
Percy tentou colocar outro dedo e o surpreendendo, o dedo
entrou quase sem resistência novamente. Nico se curvou todo de uma forma que
parecia dolorosa e gritou a pleno pulmões: — É tudo sua culpa! Eu tentei…
tentei… não é a mesma coisa!
Ah, isso o fazia querer… não! Não hoje. Hoje, ele se
conformaria em tocar e observar, quem sabe em alguns dias Percy se sentiria
forte o suficiente para avançar. Então, Percy fez o que Nico tão
desesperadamente pedia para que ele visse. Observou o membro de Nico pulsar,
sem nada o tocar, enquanto que continuava a massagear o interior de Nico,
movendo seus dedos devagar ao redor, os abrindo muito delicadamente até
encontrar o lugar certo. Nico estremeceu e gemeu longamente, curvando a coluna
e como mágica, viu Nico expelindo, jato atrás de jato, Percy sem precisar tocar
em qualquer outro lugar.
— Eu te odeio! — Nico grunhiu quando enfim desabou contra o
peito de Percy, uma expressão de exaustão e êxtase ainda estampado em suas
feições.
Bem, Percy acreditava em Nico. Às vezes, ele também se
odiava, principalmente quando tinha que se controlar dessa forma.
— Eu também te amo.
Percy continuou segurando Nico contra seu peito e só se
moveu quando teve certeza que Nico não continuaria o odiando.
Capítulo XXIX
Percy continuou segurando Nico contra seu peito e só se
moveu quando teve certeza que Nico não continuaria o odiando. Ele se recostou
contra o apoio do sofá e trouxe Nico com ele, o tocando delicadamente.
Por um momento, no silêncio da sala de estar, onde se podia
ouvir apenas a respiração pesada de Nico que começava a desacelerar, pensou que
as coisas entre eles voltariam ao normal e que finalmente Nico ficaria
satisfeito. Imaginem sua surpresa ao sentir Nico se mover em seu colo de uma
forma bem específica, se esfregando contra ele, o fazendo perder o ar quando
sentiu mãos pequenas tocarem entre suas pernas sobre a calça, um toque tão
suave que o fez arfar, a doce tortura o fazendo se lembrar de sua ereção.
— Você quer…? — Ele ouviu Nico dizer, a incerteza em sua voz
era clara, embora isso não fosse um empecilho para Nico. Pois, logo em seguida,
sentiu as mãos de Nico continuarem a explorar a área, deslizando para cima e
para baixo, arrancando um gemido torturado dele.
— Não precisa. — Ele murmurou, ou achava que tinha. Nesses
momentos era difícil diferenciar o que era real e o que era criação de sua
mente.
— Eu sei que você está… está tentando me tratar com
respeito, mas… será que isso é necessário? Não foi por causa de sexo que a
gente… se separou?
A insinuação era clara, e a cada dia que passava Percy via o
quanto as palavras não ditas faziam a distância entre eles aumentar.
— Você acha que esse é o motivo por eu gostar de você?
— Bem… você sempre diz que eu sou bonito. — Nico disse na
voz mais baixa, como se esperasse não ser escutado. Foi nesse momento onde Nico
hesitou que Percy se lembrou de desgrudar os olhos do que Nico fazia entre suas
pernas e prestar atenção no que Nico dizia. O que mais chamou sua atenção foi a
expressão vazia no rosto de Nico, a forma distraída que ele o tocava, como se
ele tentasse esconder algo por trás da máscara de indiferença. — Não foi por
isso que você procurou outras pessoas quando eu estava bem na sua frente? Por
pensar que eu era… puro?
— Nico. Isso não faz sentido! Eu não faria isso de novo. —
Quando ele teria tempo de fazer isso? Entre a depressão e a montanha de
trabalhos e estudo?
— Não faria? — Nico então levantou a cabeça e o encarou, sem
nenhum tipo de julgamento na voz, mas que ainda assim isso o fez se sentir
muito julgado. — O que eu tenho que fazer para você não me ignorar?
— Eu não estou te ignorando! — Quer dizer, ele achava que
não estava. Certo? Eles não passavam o dia todo juntos? Como Percy poderia
ignorar alguém que estava ao lado dele?
— Quando foi a última vez que você fez algo que queria?
— Eu… a gente foi naquela festa semana passada?
— Percy. — Agora Nico parecia a ponto de chorar. — Quando
foi a última vez que você fez algo que ninguém te pediu para fazer? Você diz
que eu não tenho interesse nas coisas? Você também não tem. E agora, nem sexo
você quer.
— Não é sua culpa. Não é porque você voltou.
— Estou começando a ver isso. Mas isso não me faz menos
culpado.
— O que você quer que eu faça? Tudo o que eu faço é um erro!
É melhor que as coisas fiquem assim. Se eu fizer o que as pessoas esperam de
mim, eu não vou errar.
— Percy! — O grito de Nico ecoou pela sala, o fazendo abrir
bem os olhos.
Com a garganta seca, Percy observou Nico se levantar de seu
colo e se ajoelhar entre suas pernas. Com os olhos cheios de lágrimas, Nico
apoiou as mãos em suas coxas e colocou o rosto em seu colo, pronto para começar
a implorar. — Ninguém está pedindo que você seja perfeito!
— Eu tenho que ser!
— Eu nunca devia ter voltado! Se for para ver você assim,
era melhor ter ido para outro lugar. Doeria menos. Você pode dizer o que
quiser, eu sou culpado por você estar agindo assim de novo.
— Como você poderia ser o culpado?
— Eu fiz você se lembrar do passado.
Nisso Nico estava certo. Percy estava pensando sobre sua
infância com mais frequência do que o costume. Ele tinha trabalhado para se
livrar dele e agora que suas memórias vinham à tona era difícil diferenciar a
pessoa que ele costumava ser e a pessoa que ele era agora.
— Por favor. — Nico enfim implorou na voz mais miserável que
ele já havia escutado. — Eu não quero que você se reprima por causa de mim. Eu
sei que você se importa comigo e eu me importo com você. Eu só… eu quero viver
essas coisas com você. Quero acordar todos os dias do seu lado e quero estar
com você todos os dias, quero que você tenha todas as coisas que deseja e
quero… quero, hm… você sabe… não me importo se você for… não tão bondoso na
cama. Eu gosto… de verdade. Quer dizer, você nem sempre foi um santo, talvez um
pouco vingativo, e também--
— Fico feliz que você pense isso de mim. — Percy disse e
sorriu sinceramente pela primeira vez em muitos dias, interrompendo Nico. O
garoto queria que ele fosse sincero e fizesse o que queria, não? — Isso não é
justo. E como você fica nisso?
— Eu? Eu fico com você. — Nico disse e sorriu de volta para
ele, ainda com a cabeça em seu colo, se esfregando nele feito um gatinho. —
Prefiro ver você agindo feito a pior pessoa do mundo do que ver você se
transformando em uma casca vazia.
— Nico. — Percy se inclinou para a frente a segurou Nico
pela nuca, o fazendo levantar a cabeça. — Eu não quero abusar de você. Sinto
que isso vai acontecer se a gente continuar assim.
— O que você está esperando, então?
— Nico!
— Não há nada que nenhum de nós possa fazer. O estrago já
está feito. Agora, você tem que se responsabilizar pelo o que fez.
— E o que seria isso?
— Você pode começar me levando pro quarto e tirando minha
roupa.
— Eu não tenho certeza.
— Mas eu tenho. — Nico fez um biquinho fofo, e Percy se viu
sorrindo novamente, observando Nico se esticar em direção a ele ainda ajoelhado
e o beijar docemente. — Eu posso esperar.
Quando Nico falava assim… tão convincente, Percy quase podia
ver a razão nisso tudo. Embora não entendesse de verdade. Quem gostaria de ser
tratado como Nico tinha sido e ainda pedir para continuar sofrendo ao lado de
uma pessoa como ele? Percy tentaria mais uma vez. Se Nico tinha se ajoelhado a
seus pés e colocado a cabeça em seu colo feito um pet de estimação, Percy
também poderia se esforçar para ser um bom dono.
***
Sinceramente? Percy não pensava que seria tão fácil se
render depois de tanto tempo lutando contra essas vontades. Era uma visão
magnífica observar Nico se levantar do chão. Ainda com as calças abertas,
cabelos bagunçados e lábios inchados. Nico ofereceu a mão a ele e Percy não
hesitou, como tinha prometido, subiu as escadas em direção a seu quarto. Se
sentou na beirada da cama e tirou as roupas de Nico. Primeiro, a camiseta de
caveira, depois, puxou as calças de Nico para baixo, levando junto a cueca, tirou
os allstar’s e meias, e finalmente se permitiu um momento para apreciar a
beleza de Nico.
No fim, o que seu bebê tinha dito era verdade. A primeira
coisa que tinha chamado sua atenção em Nico era a beleza natural. Longos
cílios, olhos negros profundos, boca carnuda, pele macia, quadril arredondado,
longas pernas, a voz mais doce mesmo quando zangada e principalmente aquela
aparência de garoto bem-comportado, sempre obedecendo o que ele dizia. Tinham
suas exceções, é claro, momentos como esses em que eles se encontravam, onde
Nico implorava, nunca parecendo exigir ou dar uma ordem, não como ele faria.
— E agora? Como a gente fica? — Era uma pergunta retorica, e
ambos sabiam disso. Percy sorriu e Nico se aproximou mais, se colocando entre
suas pernas, segurando em seus ombros.
— Você quer ver uma coisa?
— Depende. É uma surpresa?
— Você poderia dizer isso.
Nico sorriu e correu em direção ao guarda-roupa, voltando
com um caixa dourada com uma tampa em cima.
— Você comprou pra mim?
— Não, é pra mim. — Ainda sorrindo, Nico disse e tirou a
tampa revelando uma bela coleção de brinquedos, só que esses brinquedos eram
para adultos. Três dildos de diferentes tamanhos, uma bolinha vibratória,
algemas, pregadores de mamilos e até uma palmatória. E muito lubrificante, no
mínimo três tubos grandes.
— Tem certeza que você não andou se divertindo com alguém? —
Ele nem poderia culpar Nico se esse fosse o caso.
— Eu não quero ninguém além de você me tocando. Isso tudo é
sua culpa! Eu aqui me oferecendo e dizendo que você pode fazer o que quiser
comigo e você tendo uma crise de consciência? Nunca pensei que algo assim
aconteceria.
— Ei! Eu não sou tão ruim!
— Não é agora.
— É exatamente por isso que eu prefiro ir devagar.
— Desculpa. Eu também mudei. Mas se eu soubesse nunca teria
fugido. Pelo menos, você não fez o mesmo que eu fiz.
É, Percy até poderia imaginar. Para onde ele fugiria? Para
casa do pai? Olhar para a cara da madrasta que o odiava ou lidar com o
meio-irmão que o perseguia quando a mãe não estava vendo? Sem chance.
— Eu precisava de um tempo. Quero ter certeza que algo assim
não vai se repetir.
— Eu sei. Eu estava seguro em Verona. Hades não tem coragem
de enfrentar a nona. Se ela soubesse de tudo hoje Hades não teria um centavo.
— Por que você não contou pra ela?
— Não é importante. Ela já me mima demais. — Mas Nico dizia
isso com um sorriso no rosto, parecendo se lembrar de tempos felizes. — A gente
não precisa fazer nada hoje. Nem amanhã. Eu quero que você saiba que estou aqui
e que você não precisa se sentir culpado, porque eu nunca te culpei de nada.
Tudo bem?
Nico pegou a caixa de suas mãos e a colocou na cama para
logo em seguida sentar em seu colo, o beijando mais uma vez. E talvez… talvez
não fosse tão ruim assim se deixar levar um pouco.
***
Então… hmm… Percy descobriu que gostava muito daquela caixa
de brinquedos que Nico tinha montado. Especialmente a bolinha vibratória. Ela
tinha o tamanho de seu dedão e era rosa fosforescente, com um fio longo e um
botão no meio. Realmente interessante. E já que Nico tinha comprado todas
aquelas coisas, seria um desperdício não usá-las.
Ele pegou as algemas, o lubrificante e a bolinha, e bem, ali
estavam eles. Nico deitado contra os travesseiros, de costas na cama e mãos
presas em cima da cabeça no batente da cama, enquanto ele se encontrava entre
as pernas de Nico, completamente vestido. Era até engraçado. Percy tinha
apertado o botão na bolina e ela tinha começado a vibrar imediatamente, o
fazendo rir e dizer “Foi você quem pediu por isso” e antes que Nico pudesse
reclamar, Percy levou o brinquedo que vibrava loucamente para as pernas de
Nico, seguindo o mesmo caminho com sua boca. Parecia que Nico não sabia o que
fazer, se ele ria por causa da vibração ou se gemia, marcas de mordidas, de
dentes roçando em sua pele e chupões de lábios em lugares que nunca tinham sido
marcados antes.
— E agora? Devo parar? — Percy disse na voz mais inocente,
subindo com a bolinha entre as pernas de Nico, parando em sua virilha antes
alcançar alguma parte mais sensível.
— Não! Por favor!
— O que eu ganho se continuar?
— Qualquer coisa!
— Eu não sei… parece muito genérico.
— Um-- eu… eu te chupo? Ou…
— Ou?
— O que você quiser.
— Mesmo?
— Hmhm. — Nico suspirou e arfou, porque Percy tinha cansado
de brincar. Ele levou a bolinha um pouco para baixo e a pressionou contra o
membro de Nico, que de semiereto, em um passe de mágica, parecia tão duro a
ponto de doer. Percy deslizou o vibrador pela base do membro e subiu
lentamente, chegando na pontinha e se demorando por lá, pressionando em
pequenas voltas na cabecinha a avermelhada.
Percy não podia acreditar em seus olhos, ele pressionou só
mais um pouquinho e de repente, Nico estava gritando, o pequeno membro pulsou
em sua mão e expeliu mais rápido do que Percy pôde reagir. Ele tirou o vibrador
do membro de Nico e observou Nico se contrair todo, respirando como se tivesse
corrido uma maratona. Mas ele queria mais, Nico reagia tão forte as vibrações
que Percy queria ver até onde Nico aguentaria.
Ele ligou o brinquedo novamente, o sentindo vibrar em sua
mão por alguns momentos e esperou até que Nico não estivesse a ponto de ter um
ataque de asma, e devagar, como se nada tivesse acontecendo, voltou a encostar
a bolinha na pele de Nico, perto do seu quadril, descendo pelas longas pernas.
Tudo o que Nico fez foi arfar surpreso, e ainda tremendo, não disse nada e nem
mesmo se moveu como protesto, apenas olhou para Percy, o olhar meio perdido e
meio extasiado, confiando em Percy e se permitindo sentir, como se isso fosse
tudo o que desejava fazer. Então, Percy, como o cavalheiro que era, continuou
com sua exploração. Voltou a subir com o vibrador e chegou mais uma vez a virilha
de Nico, dessa vez passando direto por seu membro e tocando em seus testículos,
vendo Nico abrir os lábios em um gemido silencioso, seu corpo tremendo sem seu
controle. Para Percy a experiência toda parecia dolorosa, a forma como Nico se
contraia e se curvava, os gemidos agudos, se não fosse a expressão de completo
prazer no rosto de Nico, pensaria que… não… era melhor ele não pensar nisso.
Percy se concentrou no que estava fazendo e finalmente levou
o vibrador mais para baixo, encontrando a entrada de Nico, que deixou escapar
um gemidinho tão gostoso que Percy teve vontade de tornar as coisas ainda mais
interessantes. Mas, não, isso era suficiente. Então, ele roçou a bolinha ao
redor da entrada até que ela entrou, sumindo dentro de Nico. Talvez ele tenha
exagerado, Nico abriu bem olhos e se remexeu, choramingando e arfando, como se
nunca tivesse feito isso antes, e como Nico não fez nada para pará-lo, Percy
continuou. Ele puxou o vibrador pela cordinha e pressionou de volta, brincando
com a entrada, fez isso por tantas vezes que a pele começou a ficar inchada,
como quando você beijava alguém por um longo tempo e esse era o resultado.
— Por favor! — Nico implorou, se contraindo na cama, costas
curvadas e cabeça jogada para trás, parecendo a ponto de gozar mais uma vez. E
quem era Percy para negar seu doce bebê.
Ele pressionou a bolinha mais uma vez para dentro, fazendo
Nico estremecer e dessa vez, a empurrou com mais força, inserindo seus dedos junto,
movendo o vibrador ao redor. Nico foi a loucura, começou a implorar sem parar e
segurou no batente da cama, seus dedos dos pés se curvando. Foi um momento
mágico para Percy, com dois dedos, ele levou a bolinha um pouco mais adentro e
pressionou naquele lugarzinho que ambos conheciam bem. A reação foi imediata,
Nico gritou com toda a força e Percy se maravilhou, ele nunca tinha visto Nico
gozar tão rápido e forte, fazendo o orgasmo de Nico atingir seu peito.
— Bom garoto. Tão obediente. — Ele disse enquanto puxava a
bolinha pela corda, enfim a trazendo para fora. Nico caiu na cama e soluçou,
ainda terminando de gozar com uma estranha expressão presa entre agonia e
êxtase. Talvez ele tenha exagerado. Bem, Percy deixaria para que Nico decidisse
isso, já que ele próprio não sabia se fugia para longe, enojado consigo mesmo
ou se tentava não pensar na sua ereção ao ver Nico sob seu controle dessa
forma.
Capítulo XXX
— Bom garoto. Tão obediente. —
Nico fechou os olhos bem apertado e se negou a responder, sentindo seu corpo
balançar com o efeito do orgasmo.
Não que ele fosse capaz no momento. Não, Nico acha que nunca
tinha gozado com tanta força em sua vida, e ouvir Percy falar assim com ele, o
fazia estremecer ainda mais. Nico achava que nem o próprio Percy sabia o que
essas palavras faziam com ele, o tom de voz aveludado e agora o toque suave que
o acalentava depois de algo tão intenso. Não era apenas isso, era a forma como
Percy falava com ele, como se Percy realmente estivesse orgulhoso; era a forma
que Percy olhava para ele, o analisando friamente dos pés à cabeça e, ao mesmo
tempo, com aquela fome no olhar que o fazia querer obedecer a cada ordem. Ele
não conseguia lidar com isso, então, era melhor apenas se sentir grato por esse
momento estar acontecendo.
— E, então? — Nico ouviu Percy dizer, o sentindo tocá-lo e
massagear seus braços, chegando em seu pulso para enfim abrir a algema.
Engraçado, para quem tinha medo de ser preso, ele nem hesitou quando Percy
sugeriu.
— Então, o quê? — Nico murmurou, ainda ligeiramente
desorientado. Ele nem mesmo conseguiu levantar os braços, permitindo que Percy
continuasse a massagear a pele avermelhada.
— Foi bom ou ruim?
— Hmm?
— Você gostou do que eu fiz?
Não era obvio?
— Eu gozei duas vezes.
— Não quer dizer que você tenha gostado.
— E você, gostou? — Nico rebateu, tentando se mover, o que
apenas o fez cair para trás feito uma jaca podre.
Quando Percy não respondeu, Nico olhou para ele. Era bem
claro o que acontecia, Percy e seu complexo de mártir. A verdade é que ele
tinha gostado, ambos tinham, e isso parecia ser um problema para Percy.
— Eu gostei, tá bom? Quer dizer, seu queixo ainda está
molhado.
Para provar a evidência do crime, Nico se esticou todo,
gemendo de dor em seus músculos e passou os dedos no rosto de Percy, mostrando
o líquido a Percy.
— É, eu acho que sim. — Mas Percy ainda tinha aquela
expressão analítica, quase rígida demais, como se estivesse se preparando para
dar a próxima ordem, o que se tornou verdade no final. — Fique aqui.
— Para onde eu iria?
— Com você eu nunca sei. Só não… fuja. Tudo bem?
— Eu disse que não vou fazer isso de novo. Até quando você
vai me culpar por isso?
— Eu sinto muito. — Percy tentou sorrir, e quando isso não
funcionou, ele deu as costas a Nico, que caiu mais uma vez nos travesseiros.
Parecia que Nico não era o único traumatizado pelo passado.
O que ele podia fazer? Essa era a história deles, às vezes feliz, outras,
problemáticas. Nico não trocaria o que viveram por nada nesse mundo. Onde ele
estaria se não tivesse conhecido Percy em um banheiro público de escola? O que
ele teria feito se Percy fosse igual aqueles garotos? Pelo menos, eles não
estariam nesse impasse. Será que se… que se ele forçasse as coisas só um
pouquinho, Percy veria que não havia motivo para tanta culpa? Afinal, Percy
sempre gostou da verdade e de coisas bonitas…
— Nico.
Se assustando, Nico viu o rosto de Percy perto demais e
segurou nos ombros de Percy, o afastando.
— No que você anda pensando, hmm? Conheço bem essa carinha.
— Não sei do que você está falando.
— Você não está aprontando, está? Se comporte.
— Eu sempre me comporto. — “A não ser quando eu preciso agir”,
Nico pensou, colocando sua expressão mais inocente.
— Vou acreditar em você.
Percy se sentou a seu lado e começou a limpá-lo. Em seu
peito, abdômen e então no meio das pernas de Nico, suavemente deslizando uma
toalha umedecida, chegando em sua entrada.
— Você não precisa fazer isso.
— Eu quero fazer. — Percy murmurou, o beijando no rosto. —
Você tinha razão. Eu estava ausente, prometo que vou te recompensar.
— Que tal começando agora. Me deixa te chupar?
— Como isso pode ser uma recompensa para você? — O
importante nisso tudo é que finalmente Percy tinha sorrido, acariciando seus
cabelos.
— Isso é um sim ou um não?
— É um talvez depois. Agora, está na hora do bebê tirar uma
soneca.
— Eu não sou um bebê.
— Então por que você está bocejando no meio da tarde?
Era uma boa pergunta.
Nico só deixou que Percy o cobrisse porque ele tinha se
deitado a seu lado e o abraçado bem forte, também entrando debaixo das cobertas
junto com
ele.[A1]
***
Por algum motivo, Percy se sentia exausto. Ele se permitiu
relaxar no travesseiro, colado contra as costas de Nico e fechar os olhos,
apenas por um momento, apenas o suficiente para sentir o peso sair de suas
costas. Era um peso metafórico, é claro, um peso que ele nem sabia estar ali.
Percy nunca imaginou que a culpa poderia drenar alguém a ponto de afetá-lo
fisicamente. As coisas também eram assim no passado? Percy não conseguia se
lembrar. Esse era um mal hábito que tinha desenvolvido, outra muleta
psicológica, ele sabia. Percy se esquecia e guardava a sete chaves no fundo da
mente tudo o que fosse traumático ou frustrante.
Quer saber? Percy tinha decidido não pensar no que fosse
ruim ou bom, bem ou mal, e se concentraria no que fosse o certo para eles. Eles
estavam confortáveis com isso? Ótimo! Parecia divertido? O fazia se sentir bem?
Então, seria o que eles fariam. O que adiantava fazer o que era considerado
como “normal” se isso causava tanta dor, e não do tipo que Nico parecia gostar?
Era melhor se ele falasse com a mãe, só para tranquilizá-la. Percy sabia melhor
do que ninguém que Sally o perturbaria até que ele se confessasse para ela.
Se sentindo cansado mais uma vez, Percy saiu debaixo das
cobertas, tentando não acordar Nico e viu algo caído no chão. Ele deu a volta
na cama e ali no meio do caminho estava o diário que tinha dado a Nico. O
diário estava aberto no início das primeiras folhas e tinha uma caneta presa,
marcando a última página escrita.
Ele também já tinha se esquecido disso. Felizmente, parecia
que mesmo ele sendo uma pessoa horrível, Nico ainda era o mesmo doce garotinho,
sempre o obediente. Sim, Percy pôde ver que Nico já tinha escrito algumas
palavras e tinha personalizado a contracapa:
DIÁRIO DO NICO
Se perdido, devolver para o Percy!
Percy teve que rir, já se sentindo leve. Tinha até uns
desenhos bonitinhos de corações, anjinhos e diabinhos ao redor das letras.
Entretanto, o que realmente chamou sua atenção foi a página em que a caneta
estava presa.
“Eu
adoro aquele tipo de espaço mental em que eu quase flutuo, quase delirante,
sabe? Minha cabeça fica leve e eu não faço ideia do que quero fazer, só quero o
que você quiser que eu faça. Na maioria das vezes, tudo o que sei é que quero
ser fodido com tanta força que eu mal consiga falar e tudo o que eu consiga
fazer seja pequenos gemidos quando você me perguntar alguma coisa.”
“Quero o tipo de sexo que deixa marcas nos meus quadris e a
forma das suas mãos na minha pele. O tipo de sexo que deixa o meu peito coberto
de mordidas e as suas costas cheias de arranhões. Quero o tipo de sexo que faz
o meu corpo doer e pulsar e que me faça te sentir entre as minhas pernas no dia
seguinte.”
Esse era um trecho que parecia se destacar das outras
páginas, algo escrito às pressas, em garranchos despreocupados, á tinta preta e
sem decorações ao redor, como se Nico não quisesse passar muito tempo com
aqueles pensamentos e só precisasse despejá-los no papel. Esse foi o real
motivo que o fez encarar aquelas palavras por longos momentos, estático, parado
no meio do quarto com Nico ainda dormindo tranquilamente, sem nenhuma
preocupação.
Era impossível não comparar os dois estilos tipográficos. De
um lado da folha, vinhas e arvores que pareciam se entrelaçar até os céus,
acompanhados por linhas de poemas, simples e bonitas, do outro, uma prosa
desajeitada e vulgar, permitindo a Percy ver os dois lados de Nico que ele
raramente via juntos. Tinham outros desenhos, é claro. Um demônio e um anjo que
ocupavam uma página inteira, descrições de personalidade e características
físicas, algumas poucas linhas de narração que na página seguinte eram interrompidas
por mais garranchos com pensamentos soltos.
“Quero que você me abrace e me
toque,
quero que você me faça sentir seguro e pequeno,
feito o bebê que eu nego ser.
Quero que você me diga quando ninguém estiver vendo:
"Como está o meu garoto? Ele se comportou?"
Quero ter regras e quero ter que pedir autorização.
Quero ser disciplinado quando não faço o que você
mandar.”
Percy teve que parar de folear o diário e olhar para Nico
dormindo cama.
Ele... porra! Ele queria fazer tudo isso, queria fazer todos
os desejos de Nico se realizarem. E sabe por quê? Eram os mesmos que os seus.
Cada palavra e confissão parecendo ser algo que ele faria se a culpa não o tivesse
impedido até aquele momento. Será que essas fantasias realmente eram de Nico?
Ou será que era algo que Nico tinha escrito para se vingar dele? Ou, pior
ainda, era o que ele tinha levado Nico a acreditar que ambos queriam? Mas, ao
mesmo tempo, Percy conseguia reconhecer Nico em cada linha, seja desajeitada ou
elegante, misturado a influência que ele tinha sobre Nico e outras coisas e
momentos em que Percy não esteve presente para moldá-lo.
Sinceramente? Percy estava aliviado. Saber que Nico tinha
tido outras experiencias e conhecido outras pessoas e que mesmo depois de tudo
isso Nico ainda tinha voltado para ele, tirava mais uma parte do peso que ele
nem sabia que levava. Entretanto, a questão importante era: Como ele poderia
fazer... tudo isso sem passar dos limites? Como ele poderia se certificar que
Nico não sairia disso o odiando de verdade?
Ele... Percy precisava de ajuda. E de algumas coisas,
também. Algo que fizesse Nico entender a seriedade da situação, do quanto ele
desejava que Nico permanecesse seguro e feliz. Parece que esse era o momento de
agir.
***
Nico abre os olhos e a primeira coisa que nota é a luz do
sol entrando pelas persianas, o cegando momentaneamente. Sua cabeça pulsava com
uma dorzinha irritante nas têmporas, mas seu corpo estava o mais relaxado em
que ele já esteve. Sua visão estava turva também, atordoado pelas endorfinas
que ainda pareciam manter seu corpo calmo e sua mente maravilhosamente vazia,
como se toda a ansiedade tivesse sido sugada por uma mangueira compressora. Nem
mesmo suas aventuras com garotos mais experientes tinham causado esse tipo de
reação nele.
Ele olhou para o lado, esperando encontrar Percy e recebeu
em troca a ausência e um pedaço de papel, Percy nem mesmo tinha deixado seu
calor para trás, o que significava que Percy tinham se levantado tempos atras.
Bem, Nico não deveria criar expectativas quando Percy estava
lidando tão mal com as coisas nos últimos tempos. E ele disse que daria tempo
para Percy se acostumar com as coisas, não disse? Mesmo que fosse difícil
continuar esperando por algo que talvez nem fosse acontecer, ele não tinha
outra escolha. Era melhor ter a companhia de Percy do que não ter nada. Mas
isso não queria dizer que ele não fosse tentar seu máximo para conseguir o que
queria.
Se dando por vencido, Nico se sentou na cama e pegou o
bilhete.
“Você dormiu bem? Eu tive que sair
rapidinho.
Prometo estar de voltar para o café
da manhã.
Me espere.
Per.”
Era só isso? Era o que ele merecia
depois de sentir seu mundo sacudir? Isso era tão justo! Chega! Ele iria tomar
uma atitude imediatamente.
Esquecendo da dor de cabeça e os
dos músculos doloridos, Nico amassou o bilhete, o jogou em algum lugar em
direção ao cesto de lixo e marchou até parar em frente ao guarda-roupa. Isso
era tão ridículo! Nunca pensou que chegaria o momento em que ele teria que se
rebaixar a tanto. Ele pegou a caixa com seus brinquedos, enfiou a mão no fundo
dela e pegou uma embalagem lacrada, de cor preta. Era algo que a vendedora
tinha sugerido e já que ele tinha comprado coisas piores, não era isso que o
tornaria uma pessoa ruim. Nico colocou o pacote em cima da cama, pegou os itens
que iria precisar e entrou no banheiro. Iria mostrar para Percy quem mandava
ali.
***
Percy se sentia bem melhor agora.
Como ele poderia explicar? Bem...
tinha um lugar, um tipo de bar, e ele tinha ficado curioso, sabe? Percy nunca
participou, entretanto... ele tinha assistido e entendido bem rápido como as
coisas funcionavam. O que ele podia fazer? Sua mãe sempre dizia que
conhecimento era algo que ninguém podia tirar de você, e de fato, tinha sido
algo difícil de esquecer. Talvez ele tivesse ficado entediado sem Nico por
perto ou talvez quando ele se viu sozinho, sem ninguém para vigiá-lo... por que
não? Sendo que Percy não precisava mais ser o cara bonzinho?
O fato era, Percy tinha descoberto
que ele fazia aquelas coisas sem precisar que ninguém o ensinasse. Pelo menos
ali, aprendeu que o que ele fazia era errado se Percy não pedisse permissão
antes.
Um bom exemplo disso eram as
palavras, pequenas sugestões que se repetidas poderiam se tornar em
comportamentos condicionados, como quando você ensina seu cachorro a dar a
patinha em troca de petiscos. Pessoas tinham as mesmas tendencias e vontades
semelhantes, também. Algumas mais assertivas e outras, mais obedientes. Era um
dinâmica normal, nada forçado, é claro, apenas modos de comportamentos onde
cada um se sentia mais confortável para se expressar. E isso era só o começo,
nem sequer era algo sexual ou romântico, apenas atitudes que a maioria das
pessoas não reparavam. Sua psicóloga da época tinha sugerido algo parecido. Não
que ele fosse atras desses tipos de clubes e sim que Percy analisasse por que
ele se sentia tão codependente de Nico ou porque Percy se sentia tão frustrado.
E como parecia estar relacionado a sexo, ele pensou... por que não? Sua mãe
tinha apoiado a ideia e, seu irmão e Grover, amado mais ainda. Assim, como uma
família unida, todos foram investigar o bar, incluindo sua mãe.
O importante era que quando ele
descobriu o que fazia com Nico já era tarde demais, Nico tinha ido embora e ele
tinha ficado sozinho, com todas aquelas ideias e ninguém para testá-las. Percy
não se orgulhava do que tinha feito, mas não se arrependia tão pouco. Sendo
sincero? Ele não se importava com aquelas pessoas e se ele tivesse magoado
algumas pelo caminho, não era da sua conta. Percy nunca prometeu nada a elas,
cansando de avisar o que aconteceria no fim.
Era por isso que Percy estava ali
naquela manhã, um bar vinte e quatro horas que funcionava como lanchonete
durante o dia. Fazia mais de um ano que Percy não entrava lá, mas como eles
eram o lugar que ele mais confiava, teria que ser ali mesmo.
Percy respirou fundo e entrou pelas
portas de ferro negras, chegando a primeira área onde havia mesas e cadeiras de
madeira que ao anoitecer seriam retiradas para dar lugar a pista de dança.
Continuou andando mais ao fundo e encontrou o bar, um balcão longo junto a uma
cozinha espaçosa, vendo os garçons pegarem pratos de comida para serem
entregues. Ele só esperava que ningue--
— Percy, querido. Quanto tempo!
— Vanessa. — Percy disse e se
virou, vendo sua “professora” favorita. Ela era uma dominatrix atenciosa,
bondosa e firme, algo que ele sempre quis ser e que nunca teve a paciência. Em
comparação a ela, Percy era ansioso e um tanto cruel. Quem sabe um dia?
— O que te trás aqui? Finalmente
procurando companhia? Tenho um submisso que--
— Não dessa vez. — Percy disse e
sorriu, negando educadamente. — Estou procurando Apolo. Será que ele está por
aqui?
— Ah, isso é tão bom. Quem é o
garoto?
— Alguém novo.
— Hm, entendi. — Mas ela parecia o
julgar como todos faziam.
— Não tão novo. Ele é novo na cena.
— Ah, tudo bem. — Vanessa voltou a
sorrir e saiu de trás do balcão. — Eu sei exatamente o que você quer.
Então, juntos, eles passaram por
mais uma porta, subiram uma escada em caracol e chegaram no segundo piso, cheio
de portas com quartos particulares, alguns com janelas que permitiam ver dentro
dos quartos e no fim do corredor, uma porta grande de metal negro que eles
também entraram.
Realmente, aquela sala era o que
Percy estava procurando. Ele sentia que se trouxesse Nico ali, o garotinho iria
passar algumas horas perguntando para o que aquelas coisas penduradas na parede
serviam. Também havia um balcão mais ao fundo do cômodo, onde um homem alto e
loiro lia uma revista, usando um fone de ouvido.
— Ei. — Percy disse assim que se
aproximou.
Apolo olhou para cima e no mesmo
momento tirou o fone e se levantou, correndo em sua direção. Estava tudo bem,
porque Percy estava preparado. Ele abriu os braços e deixou que Apolo o
abraçasse o quanto quisesse, se esfregando nele.
— Ah, olha o nosso pequeno Dom. Tão
crescido. Você tem malhado? Aposto que os garotinhos te perseguem.
Não desde que Nico tinha voltado,
mas esse era outro assunto.
— Só um. Eu estava procurando algo
específico.
— Eu sei exatamente o que você
precisa.
— Eu não disse nada ainda.
— E nem precisa.
Apolo sorriu todo esfuziante, pegou
uma cestinha de compras e começou a andar pelos corredores e prateleiras.
— Deixa eu ver. Algo discreto para
o dia.
Apolo esticou a mão e pegou uma
gargantilha, algo no estilo gótico. Uma tira de couro maleável e discreta com
cristais pequenos a enfeitando.
— Algo para brincar.
Dessa vez Apolo pegou uma coleira
rosa clara, pesada e com grandes furos, com uma plaquinha de identificação e um
fecho para colocar uma guia se ele quisesse.
— Algo para mantê-lo quietinho e
comportado, sim?
Finalmente Apolo pegou uma
focinheira com uma bola no meio, uma venda de ceda e algemas macias.
— Pronto. Isso deve bastar.
— Eu não posso, isso é muita coisa.
— É um presente para nosso Dominador
júnior!
— De verdade, eu não posso--
— Ah! Está faltando uma coisa!
— Apolo, não!
— Sim.
Antes que Percy pudesse impedi-lo,
Apolo voltava com uma palmatoria. Sua superfície era toda em couro preto, feito
de um material rígido, mas a ponta dela tinha um acolchoamento macio que traria
dor sem deixar muitas marcas.
— Apolo!
— Vamos, é só dessa vez. Eu nunca
vi você interessado em ninguém. Considere um presente de boa sorte.
— Exatamente! Eu não posso aparecer
com isso. Ele vai pensar que eu--
— Ele não está errado.
Percy bufou e desistiu de discutir.
Apolo era tão ridículo que isso tornava impossível contrariá-lo.
— Além do mais... — Apolo
continuou, embalando os itens em uma caixa bonita. — Já que você me rejeitou, o
mínimo que você pode fazer é aceitar meu presente.
— Quanto ficou? — Percy, para sua
própria sanidade, decidiu ignorá-lo, e pegou a carteira.
— Você não ouviu o que eu disse? É
um presente.
— Qual é! Isso vale pelo menos mil
reais.
— E daí? Eu sou rico.
— Eu também sou.
— Parece que estamos em um impasse.
— Apolo fez uma careta de tristeza e balançou a cabeça. — Parece que o seu
garoto vai ficar muito decepcionado, então.
— Ele não sabe que eu estou aqui.
— É uma surpresa? Eu não sabia que
você era um romântico. — Dessa vez, não havia nenhuma ironia na voz de Apolo. —
Estou me sentindo muito solteiro agora.
Percy tinha esquecido como Apolo
podia ser dramático. Ele era bonito, isso Percy não podia negar. Entretanto,
beleza não era tudo na vida, mesmo que ajudasse muito.
— Vanessa! Me arruma um dom agora
mesmo!
Percy se virou e lá estava Vanessa,
os observando de longe como se assiste uma série de comedia.
— Eu fiz, três vezes no último mês.
— Você chama aquilo de dominação?
Minha mãe é menos vanila do que aquilo.
— Por favor, me poupe. — Vanessa
cruzou os braços e revirou os olhos.
— Custava me apresentar alguém
alto, gostoso e com atitude? Será que é muito?
Foi a vez de Percy revirar os
olhos. Ele queria dizer que essa era a primeira vez que algo parecido
acontecia. Ele jurava que não estava tentando se gabar, mas... de fato, Percy
pensou que esses dias de D/s tinham ficado para trás. Mas ali estava ele, pedindo
ajuda para essas pessoas.
— Se comporte. — Percy se pegou
falando, já irritado pela situação. O pior é que Apolo imediatamente endireitou
a coluna. E ele teve que completar: — Não se atreva.
Também não seria a primeira vez que
Apolo se ajoelharia sem nem perceber.
— Tão malvado.
— Olha, eu agradeço a ajuda, mas eu
tenho que--
— Está tudo bem? — Apolo perguntou,
agora sério. — Você disse que nunca dominaria ninguém. É sobre o garoto que te
fez sofrer?
— Talvez. — Percy deu de ombros. —
Não é culpa dele.
— Tudo bem. Você precisa de ajuda?
Talvez uma mediação?
— Não. Eu consigo. — “Talvez”, ele
queria ter dito. A verdade é que Percy não conseguia nem mesmo pensar em ter
que dividir Nico com alguém ou deixar que outras pessoas assistissem. Percy não
sabe se conseguiria se controlar. — Não precisa se preocupar.
— Tem certeza? A gente podia dar
uma ajuda pro pobre do garoto. Ele sabe no que se meteu?
— Não precisa se preocupar. —
Repetiu.
O pior era que Percy não estava mentindo. Nico sabia muito mais do que ele gostaria.
0 Comments:
Postar um comentário